Em 50 anos, uma casa paga metade do seu valor em impostos

Associação de proprietários contabilizou os impostos cobrados, a longo prazo, por uma habitação e concluiu que o Estado recebe em impostos quase metade do custo inicial da casa.

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Nuno Ferreira Santos

A Associação Portuguesa de Proprietários (APROP) já tinha a convicção de que o peso da fiscalidade no sector da habitação era elevado quando decidiu testar essa ideia com números concretos. Depois de fazer uma simulação para avaliar quais os custos fiscais com um imóvel comprado à data de hoje e vendido ao fim de 50 anos, concluiu que a “factura fiscal” com a casa chega a quase metade do preço pago inicialmente.

João Caiado Guerreiro, presidente da APROP diz que estes valores são muito mais elevados do que tinha considerado inicialmente. “Parece-me, sobretudo, um valor excessivo a pagar em impostos pelo ‘grande privilégio’ que é ter uma casa, que, ainda por cima, é um direito consagrado constitucionalmente”, afirmou ao PÚBLICO o presidente da APROP.

Os cálculos efectuados pela associação de proprietários têm como pressuposto a compra de um imóvel por um jovem casal com residência fiscal em Portugal por 170 mil euros, e que o vende, passados 50 anos, por 320 mil euros. Os impostos foram calculados com as taxas em vigor actualmente e permitiram calcular que a totalidade de despesas com impostos e taxas, ao fim de 50 anos, é de 85.789,83 euros, pouco mais de metade do valor da aquisição. Na prática, o custo da casa no final desse período ascende já a 255.789 euros.

Caiado Guerreiro explica que a selecção destas premissas teve em conta o período de tempo que é normalmente utilizado para fazer este tipo de estudos (e admitiu que a intenção posterior é comparar estes dados com as práticas de outros países), bem como a situação que consideraram ser aquela que se ajusta à realidade. “Usando estas premissas chegamos à conclusão de que tanto para a classe média, como para as empresas, o peso da fiscalidade na venda de um imóvel é elevadíssimo. Um casal que compre um imóvel hoje e o venda daqui a 50 anos, fazendo supostamente uma mais-valia de 150 mil euros, já pagou 86 mil euros ao Estado”, critica.

Só para o imposto municipal de imóveis (IMI) pago ao longo de 50 anos, e tendo em conta a taxa média de 0,4% a aplicar sobre o Valor Patrimonial Tributário do imóvel, vai a principal fatia deste orçamento: 34 mil euros. Este valor é suportado por todos os proprietários, mesmo que não vendam o imóvel.

Em caso de venda, e para além do IMI, o proprietário vai ter de suportar o Imposto sobre Rendimento a pagar sobre a mais-valia, apurado de acordo com as taxas em vigor e com a opção pela tributação em separado do casal, que chega aos 33.883 euros. De acordo com o Código de IRS, o imposto recai sobre 50% para a base tributável, explicam os autores do estudo. O Estado ainda recebe o imposto de selo (IS), que neste caso é de 1360 euros, e o Imposto Municipal sobre Transacções Onerosas (IMT), tendo em conta que se está a falar de uma transacção para habitação própria e permanente, e que é de 2859 euros.

Tudo somado, e só com estes impostos directos, já se chegou aos 72 mil euros. A este montante vão somar-se ainda os custos parafiscais, que assumem particular relevância em todas as taxas cobradas na factura da electricidade: 12.240 euros, valor que inclui contribuições para a DGEG e para os Audiovisuais, o imposto IEC e o IVA. As taxas cobradas na factura da água chegam aos 648 euros (este valor incluiu IVA, taxas de abastecimento, saneamento e gestão de resíduos). Por fim, faltam os 800 euros gastos como despesas inerentes à aquisição, nomeadamente na escritura e registo predial. 

De acordo com o presidente da APROP estes cálculos foram feitos com o apoio da sociedade de advogados Caiado Guerreiro, onde trabalha o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro, e que também é membro da direcção da APROP. A associação tenciona continuar a produzir este tipo de estudos para contribuir para alimentar as tomadas de posição dos governantes e decisores públicos, bem como ajudar a opinião pública a perceber o impacto das políticas neste sector.

Por enquanto a APROP fez o mesmo exercício de tentar contabilizar os custos a longo prazo associados à venda de um imóvel também no caso das empresas. E percebeu que nesta matéria os custos são ainda maiores e chegam quase aos 80%.

No caso da compra de um imóvel por parte de uma sociedade comercial, a APROP colocou na simulação os seguintes pressupostos: o imóvel teve um preço de aquisição de um milhão de euros, e foi vendido, 50 anos depois, por três milhões de euros. Tal significaria uma mais-valia de dois milhões de euros. As conclusões, após o estudo, é que a totalidade de despesas com impostos e taxas, ao fim de 50 anos, atingia os 870 mil euros. Esta quantia representa cerca de 80% do preço inicial do imóvel, reduzindo em quase metade a mais-valia realizada.

Sobre o património imobiliário incidem outros impostos, como o recém-criado adicional sobre o imposto municipal sobre imóveis (AIMI), que não foi considerado neste estudo, porque se aplica sobre a soma do valor patrimonial tributário de todos os imóveis detidos por um proprietário, aplicando-se quando esse valor supera os 600 mil euros. João Caiado Guerreiro considera estes valores muito “exagerados”.

Instabilidade fiscal

Um assunto que é difícil de contabilizar é o impacto da instabilidade fiscal que impende sobre este sector. O ano de 2019 arrancou com mais uma alteração fiscal em matérias de habitação e que está relacionada com a criação do regime de arrendamento acessível. João Caiado Guerreiro não acredita que a lei vá ter grande impacto, sobretudo porque a sua experiência lhe diz “que não há muita gente que queira fazer contratos a longa duração”.

O presidente da APROP refere-se não apenas a senhorios, mas também a inquilinos. “Não nos parece que mesmo quem arrenda uma casa queira ficar preso a ela por 20 anos. Isso não se coaduna com as necessidades de mobilidade quer em termos profissionais, quer em termos familiares, que acontecem hoje em dia”.

A Lei  nº3/2019, entrou em vigor no passado dia 10 de Janeiro e aplica-se aos novos contratos de arrendamento e respectivas renovações contratuais verificadas a partir de 1 de Janeiro. De acordo com esta lei os senhorios passam a ter acesso a maiores benefícios fiscais em sede de IRS no que aos contratos de longa duração diz respeito.

No caso de o contrato de arrendamento ter entre dois a cinco anos, a redução de 2% na taxa autónoma (28% passa para 26%) não parece ser, no entender do presidente da APROP, suficientemente atractiva para justificar uma mudança de planos. A redução de 5% na taxa autónoma (de 28% para 23%) nos contratos de arrendamento com duração de cinco anos e inferiores a dez anos também não, defende. As reduções passam para 14% no caso dos Contratos de Arrendamento com duração de dez anos e inferiores a vinte anos, e para 10% nos Contratos de Arrendamento com duração superior a vinte anos.

A lei prevê que quem já tenha contratos de arrendamento de longa duração em vigor será elegível para os benefícios fiscais previstos na lei, mas só após a renovação do contrato. Por isso, um senhorio que tenha celebrado em 2018 um contrato de arrendamento de cinco anos só poderá beneficiar destas reduções fiscais aquando da próxima renovação e caso ela se concretize. Ou seja, só em 2023. A presente lei prevê ainda a criação de programas de construção para renda acessível, cabendo ao Governo definir as rendas máximas a cobrar e os restantes requisitos do programa. O que já se sabe é que os programas de habitação para renda acessível devem garantir a afectação dos imóveis a essa finalidade pelo prazo de 25 anos. *com Rosa Soares

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