Portugal, o país onde todos gritam mas nada mexe

Rio e Montenegro continuam os mesmos que sempre foram, e apenas brilham na trica política e na canelada retórica porque é isso que eles sabem fazer.

Na sua declaração de sexta-feira, Montenegro pareceu muito menos enfadonho do que quando era líder parlamentar. Na sua declaração de sábado, Rui Rio pareceu muito mais esperto do que nas alturas em que se arrasta na oposição ao governo. De repente, o PSD animou. Uma salva de palmas para ambos. Luís Montenegro esteve muito bem ao avançar contra Rui Rio. Rui Rio esteve muito bem a responder a Luís Montenegro. Marques Mendes declarou que este confronto era bom tanto para Rio como para Montenegro. Como quem diz: o PSD é péssimo a fazer oposição ao governo, mas excelente a fazer oposição a si próprio. É difícil discordar. A questão está em saber porquê. Como é que isto se explica? Ou seja, como é que duas chatíssimas lagartas se transformaram subitamente, com duas declarações à imprensa cheias de energia e acidez, em duas interessantíssimas borboletas?

Diria que a razão é simultaneamente muito simples e muito triste: não se transformaram em coisíssima nenhuma. Esqueçam a salva de palmas. Rio e Montenegro continuam os mesmos que sempre foram, e apenas brilham na trica política e na canelada retórica porque é isso que eles sabem fazer. O mundo da política portuguesa está fechado sobre si próprio, resumindo-se a uma coreografia de gestos esgarçados, numa espécie de wrestling político-partidário que serve para entreter a multidão, mas que nunca chega ao osso dos problemas. Enquanto o combate se mantém ao nível do confronto verbal, da rasteira partidária ou do golpe palaciano, o que mais há por aí são especialistas na matéria, capazes de animar os nossos serões e os programas de debate. Quando o combate sai dessa zona de conforto, para uma reflexão séria sobre o país e aquilo que efectivamente é preciso mudar no regime de forma a melhorar a qualidade da nossa vida democrática, o balão retórico despeja-se num piscar de olhos. E os chatos regressam. Porque na cristaleira do regime ninguém toca.

O deprimente ano de Rui Rio à frente do PSD está aí para provar o que acabei de dizer – foram 12 meses de deserto de ideias, a tentar provar que a distância ideológica que vai do PS ao PSD tem a largura da rua da Betesga. Mas a intervenção de sexta-feira de Luís Montenegro é igualmente exemplar no fracasso de delinear um rumo alternativo para o país. No seu discurso, Montenegro esteve muito bem a atacar Rui Rio, mas depois houve um momento em que se lembrou – para mal dos seus e dos nossos pecados – de apresentar um mini-esboço de programa político. E o que é que ouvimos sair da sua boca? Novidades sobre a organização do Parlamento? Novas leis para a Justiça? Formas alternativas de financiar a Segurança Social? Nada disso. Luís Montenegro propôs-se “galvanizar os portugueses em torno de um tempo de esperança” em áreas como “a invasão e repercussão da inteligência artificial”, o combate à “concorrência desleal” promovida pela Internet, a viabilidade da comunicação social e, claro, as “qualificações” dos nossos jovens. Nem sequer faltou a expressão “espaço da lusofonia”, que é uma espécie de campainha que soa sempre que a banalidade de um discurso político bate no tecto.

Tudo espremido? Zero. Quer dizer: as críticas a Rio foram bastante boas. Já a sua visão sobre o país foi inexistente. Como é hábito. Infelizmente, nada disto chega a espantar. Portugal é mesmo assim. O país onde todos gritam e nada mexe. Ou talvez pior: o país onde todos gritam para evitar que alguma coisa tenha realmente de mexer. 

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