Presidente francês lança debate sobre quotas à entrada de imigrantes

Emmanuel Macron recupera uma das questões mais caras à extrema-direita numa carta aberta aos franceses. Críticos dizem que o objectivo é dividir os Coletes Amarelos.

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Macron diz que "tudo pode ser discutido" Reuters/POOL

Quase dois meses depois do início dos protestos dos Coletes Amarelos, em França, o Presidente Emmanuel Macron lançou um debate nacional sobre as principais queixas dos manifestantes – da justiça no pagamento de impostos à organização do Governo, das leis sobre o ambiente à forma de se exercer a cidadania. Mas na carta aberta que é publicada esta segunda-feira nos jornais franceses, Macron recupera também um debate da extrema-direita, que se julgava adormecido depois da campanha eleitoral de 2017: deve a França impor quotas anuais à entrada de imigrantes?

A proposta de debate sobre este tema em particular surge num dos últimos parágrafos da carta aberta do Presidente francês, escrita em resposta aos protestos do movimento Coletes Amarelos.

Depois da comunicação ao país no dia 10 de Dezembro, em que anunciou um aumento de 100 euros no salário mínimo e um corte na contribuição social dos pensionistas com reformas inferiores a dois mil euros, o Presidente francês dirige-se agora aos cidadãos para os envolver no debate sobre um novo "contrato para a Nação".

"Tudo pode ser discutido", diz Macron. "Não vamos concordar em tudo e isso é normal, é democracia. Mas, pelo menos, mostraremos que somos pessoas sem medo de falar, de trocar pontos de vista e de debater."

"Falhanços na integração"

Perto do final da carta, o Presidente francês fala sobre a imposição de limites à imigração – um dos temas mais discutidos pela Frente Nacional (actual União Nacional) de Marine Le Pen nas eleições de 2017, mas longe de ser uma das principais reivindicações dos Coletes Amarelos.

Entre as exigências dos manifestantes a que Emmanuel Macron não deu resposta, ou sobre os quais nem falou, estão o aumento dos impostos para as maiores fortunas e um referendo sobre a sua continuidade como Presidente da República, por exemplo. Mas a imposição de quotas à entrada de imigrantes nunca é referida como uma exigência colectiva dos manifestantes.

Mesmo assim, Macron pergunta agora aos franceses o que pensam eles sobre a imposição de quotas à entrada de migrantes económicos, sem pôr em causa a entrada de refugiados – "Os que fugiram de guerras, de perseguições e que procuram refúgio no nosso país."

"A nossa comunidade também sempre foi aberta a quem, tendo nascido noutro país, escolhe a França em busca de um futuro melhor: foi assim que ela [a França] foi construída. No entanto, esta tradição é hoje abalada por tensões e dúvidas relacionadas com a imigração e os falhanços do nosso sistema de integração", diz Macron.

Em seguida, o Presidente pergunta aos franceses que caminho querem eles seguir para "melhorar a integração": "No que diz respeito à imigração, uma vez cumpridas as nossas obrigações em matéria de asilo, desejam que possamos estabelecer metas anuais a definir pelo Parlamento? O que propõem para responder a este desafio, que vai durar?"

Dividir manifestantes

No site da revista L'Obs (antiga Le Nouvel Observateur), o jornalista e director-adjunto Pascal Riché lembra que a imposição de quotas à entrada de imigrantes não estava no programa de campanha eleitoral de Emmanuel Macron em 2017.

Mas à sua direita, tanto o candidato dos Republicanos, François Fillon, como a líder da União Nacional, Marine Le Pen, defenderam que o país deve impor limites – por países de origem, segundo Fillon, e até dez mil pessoas, segundo Le Pen.

Para o director-adjunto da L'Obs, o facto de as quotas à imigração não ser uma reivindicação dos Coletes Amarelos torna a pergunta feita por Macron aos franceses "ainda mais curiosa". O objectivo, diz Riché, é criar uma divisão entre os manifestantes da direita e da esquerda, levando-os a discutirem entre eles um tema muito sensível.

"É difícil ver a França Insubmissa, por exemplo, a apoiar a ideia de quotas ao número de imigrantes", sublinha Pascal Riché, lembrando uma frase do líder do partido de esquerda, Jean-Luc Mélenchon, durante um debate com Marine Le Pen na campanha de 2017: "Você pode inventar quotas, mas haverá sempre alguém que as contorna. O que vai fazer, atirá-los ao mar?"

"Grande fake news"

A proposta de Emmanuel Macron foi também criticada por organizações de ajuda à imigração, como a França Terra de Asilo.

"Fico perplexo com a oportunidade de se lançar esta questão no meio de um grande burburinho, num bazar de ideias curtas", disse o director da organização, Pierre Henry, ao jornal Le Monde.

Os números da imigração em França oscilaram pouco nas últimas décadas, apesar das várias mudanças de governo, da esquerda à direita. Mas o debate sobre a imposição de quotas surge de tempos a tempos, assente numa "grande fake news" sobre uma suposta "substituição da população francesa", segundo diz Pascal Riché. "O saldo migratório tem-se mantido estável nos últimos 30 anos e a imigração é menor do que na Alemanha, em Espanha ou no Reino Unido", diz o jornalista.

Em 2008, uma comissão criada pelo Governo de François Fillon concluiu que a imposição de quotas "não teria utilidade em matéria de imigração para trabalhar, seria ineficaz contra a imigração irregular e incompatível com os princípios constitucionais e acordos europeus e internacionais".

Entre as questões legais está o direito à reunificação das famílias, por exemplo – se houver quotas, em algum momento poderá ser necessário recusar a entrada a familiares de pessoas que já têm a sua situação regularizada em França.

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