Banca está a condenar Casa Eficiente ao fracasso

Seis meses depois de ter chegado ao terreno, os 200 milhões de euros que era suposto estarem disponíveis para o programa de eficiência energética permitiram empréstimos de apenas 300 mil euros. Confederação da Construção acusa bancos de asfixiar programa “que tem tudo para dar certo” e o BEI alerta para o risco de devolução dos empréstimos que concedeu

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NELSON GARRIDO

Foi lançado com pompa e circunstância em Abril do ano passado, na presença de dois ministros (Planeamento e Ambiente) e de representantes do Banco Europeu para o Investimento (BEI): o Governo português apresentava então o Casa Eficiente 2020, um programa com uma dotação de 200 milhões de euros para financiar, em condições favoráveis, a realização de intervenções que promovam a melhoria do desempenho ambiental dos edifícios de habitação particular, com especial enfoque na eficiência energética e hídrica, bem como na gestão dos resíduos urbanos. O programa arrancou em Junho, mas, seis meses depois, só foram emitidas 400 declarações e o montante de empréstimos fica-se pelos 300 mil euros.

De acordo com dados do Ministério do Ambiente e da Transição Energética (MATE), e tendo em conta que os dois bancos que estão efectivamente a assegurar este tipo de crédito fixaram em 2500 euros o montante mínimo para conceder empréstimos, na melhor das hipóteses, foram feitos 120 contratos.

O Casa Eficiente 2020 visa complementar a oferta de programas públicos que apoiam a reabilitação e a melhoria da eficiência energética, como o IFRRU2020, o Programa Reabilitar para Arrendar e o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado. O objectivo é facilitar a realização de obras ou aquisição de equipamentos, com recurso a crédito, em prédios urbanos ou suas fracções autónomas (incluindo as partes comuns), em todo o território nacional, tanto no Continente como nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores.

O valor previsto do programa é de 200 milhões de euros, financiado em 100 milhões pelo BEI, em condições mais vantajosas, e o restante pela banca nacional, a quem compete definir as condições finais dos empréstimos a conceder aos particulares. O BEI ainda só emprestou 70 milhões de euros e alerta para o risco da devolução de parte dos empréstimos se o programa não for concretizado entre 2018 a 2021.

O Casa Eficiente pretende "facilitar" a vida aos particulares, mas, ainda assim, implica alguma burocracia, já que está condicionado ao recurso às empresas que estão registadas, que aderiram em grande número, já que são actualmente 669, e ainda à utilização exclusiva do portal montado para o efeito pela Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI) para realizar simulações e pedir orçamentos a três empresas, escolhendo-as entre as que estão registadas. No seguimento deste passo, os interessados pedem a emissão de um certificado que lhes permitirá, posteriormente, contactar um dos bancos aderentes e formalizar o pedido de empréstimo.

Ao contrário da forte adesão das empresas ligadas ao sector da construção, o número de bancos participantes foi reduzido. Dos três bancos que aderiram, apenas a Caixa Geral de Depósitos e o Millennium BCP avançaram com produtos específicos. O Novo Banco continua a não disponibilizar as suas soluções.

De acordo com as informações enviadas a pedido do PÚBLICO pelo MATE, ocorreram mais de 66.500 acessos ao Portal Casa Eficiente até ao final de Novembro de 2018, o que, para o Governo “evidencia o interesse que este programa suscita”. Nesse período, foram realizadas cerca de 22.800 simulações, emitidos mais de 10.000 modelos de orçamento e quase 400 declarações. Mas até Novembro, a verba contratada rondava apenas os 300 mil euros. 

Questionado pelo PÚBLICO sobre as razões que levam a este tão pequeno número de concretizações, fonte oficial do MATE descarta responsabilidades do Governo. “O sucesso do Casa Eficiente não depende do Governo, que teve a função de criar os instrumentos financeiros, mas sim da banca e dos que se socorrem deste Programa. O Casa Eficiente cumpre a sua função ao complementar a oferta de programas públicos que apoiam a reabilitação e a melhoria da eficiência energética”, rematou fonte oficial do gabinete do ministro Matos Fernandes.

Taxas diferenciadas, mas para pior 

O presidente da CPCI, Manuel Reis Campos, não esconde a desilusão face ao reduzido montante dos contratos já assinados, afirmando que prefere pensar que “o programa ainda não arrancou”. “Ainda não há nada. 300 mil euros não é nada. O projecto está montado, o portal funciona, os objectivos correspondem aos anseios dos portugueses que querem melhorar a eficiência energética dos seus edifícios, tem havido um esforço de divulgação do programa. Mas a expectativa era que este programa tivesse taxas de juro bonificadas, inferiores às taxas do mercado. Enfim, que tivesse uma oferta diferenciada, mas o que vemos é que a oferta está diferenciada para pior”, critica Reis Campos, em declarações ao PÚBLICO.

A ANFAJE – Associação Nacional dos Fabricantes das Janelas Eficientes também está “profundamente preocupada” com a forma com as condições praticadas pelos parceiros financeiros do programa. De acordo com esta associação, que já pediu reuniões com o Governo e com os grupos parlamentares, os resultados das simulações de crédito que tem efectuado revelam-se muito dissuasoras: “Por exemplo, num orçamento que tínhamos para um empréstimo de dez mil euros, no final dos cinco anos teríamos pago mais 3900 euros [juros, comissões e outros encargos]. Outro banco fazia uma taxa melhor, mas a prestação ficava mais elevada. Os encargos são muito pesados”, disse ao PUBLICO Susana Nunes, da direcção desta associação.

A ANFAJE integra a CPCI e foi nesse seio que soube que 51% das simulações que são feitas no portal Casa Eficiente incluíam a aplicação de janelas eficientes, percebendo que está aqui a perder um mercado importante.

Na mesma linha, Alexandre Ferreira, vice-presidente da Secção Regional Norte da Ordem dos Arquitectos, defende que a razão para que não avancem mais projectos está nas dificuldades de acesso ao crédito. “O mercado da construção, em toda a sua fileira, desde projectistas, aos fornecedores de materiais e aos prestadores de serviços, é altamente competitivo, ainda está a trabalhar com margens baixas, por causa dos sucessivos anos em crise”, afirma. Para este responsável, “não é crível que o problema para que o programa não arranque seja do valor dos orçamentos apresentados pelos fornecedores”, acrescentando que “numa bolsa de 700 fornecedores, é sempre possível encontrar um bom orçamento”. Alexandre Ferreira reforça que “o problema é sempre, e ainda, o acesso ao crédito”.

Reis Campos diz que a banca tem de perceber que o programa “está a correr mal”. Caso contrário, “serão os ministérios e a CPCI a ter de intervir”. O líder da CPCI, entidade que é responsável pela gestão do portal Casa Eficiente, reforça que “se não forem atingidos os objectivos, ficamos todos mal”, lembrando que o BEI sempre manifestou o seu entusiasmo neste projecto e na vontade de o replicar, inclusive, noutros países.

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