Tribunais com decisões opostas sobre estafetas das plataformas digitais

Um tribunal de Valência concluiu que um estafeta da Deliveroo era trabalhador por conta de outrem e um tribunal de Madrid que um estafeta da Glovo era trabalhador independente.

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Os estafetas que recebem pedidos para fazer recados e/ou entregas através de plataformas digitais, como a Glovo, a Uber Eats ou a Deliveroo, são ou não trabalhadores independentes? A discussão ainda não se instalou em Portugal, mas em Espanha já chegou aos tribunais e eles dividem-se.

No último mês de 2018, a Inspecção do Trabalho de Valência concluiu que os 200 estafetas que encontrou a trabalhar através da Glovo não são independentes. Em Julho, a Inspecção de Trabalho e Segurança Social de Saragoça concluiu o mesmo acerca dos 326 que identificou a trabalhar na cidade.

Já em 2017, aquela inspecção tinha desencadeado acções semelhantes tendo como alvo outra empresa do género, a Deliveroo. Detectara em Saragoça 55 estafetas, que considerara falsos trabalhadores independentes. Houve diligências semelhantes noutras cidades.

Os tribunais espanhóis dão sinais contraditórios. Um tribunal social de Valência concluiu em Junho de 2018 que um estafeta da Deliveroo era um trabalhador por conta de outrem. Já em Setembro, porém, um tribunal de Madrid decidiu, em primeira instância, que um estafeta da Glovo era um trabalhador independente, e não um trabalhador por conta de outrem.

Vem aí um julgamento colectivo, em que a Deliveroo terá de responder sobre a situação de 517 estafetas: foi no mês passado suspenso até Maio deste ano por um tribunal social de Madrid. A empresa britânica tentará provar que o vínculo é débil, que os estafetas até têm trabalhado para outras empresas de entrega.

Os inspectores do trabalho entendem que, embora o estafeta tenha de ter um dispositivo móvel e um meio de transporte, o seu verdadeiro instrumento de trabalho é a plataforma digital. É através dela que os clientes requisitam os serviços e os pagam. E o preço a pagar é determinado, de forma unilateral, pela empresa. A liberdade do estafeta está muito limitada.

De que forma está a liberdade do estafeta limitada? No caso da Glovo, por exemplo, a empresa abre um horário para cada estafeta e é dentro disso que ele pode decidir as horas a trabalhar. Na hora agendada, tem de estar dentro da zona definida. Se não estiver, é penalizado. Presta o serviço identificado com o logo da empresa e de acordo com as regras por ela definidas.

O tribunal de Valença alinhou com essa visão da inspecção. O de Madrid alinhou com a das plataformas: o estafeta não tem horário imposto, ele é que decide se e quando quer trabalhar; também pode decidir aceitar ou recusar um serviço e o trajecto a seguir para o realizar. As principais ferramentas de trabalho são o dispositivo móvel e o meio de transporte, uma e outra propriedade sua.

As empresas terão de se ajustar ao que vier a fixar a jurisprudência? Em Espanha, a Glovo já contratou uma equipa para fazer lobby por uma categoria laboral entre os trabalhadores independentes e os trabalhadores por conta de outrem. Em Portugal, essa companhia limita-se a dizer que "a relação contratual entre os Glovers e a Glovo está devidamente enquadrada pela legislação nacional e suportada por variada jurisprudência na Europa".

Contactada pelo PÚBLICO, a Autoridade para as Condições do Trabalho não tinha dados sistematizados sobre eventuais acções que tenha feito a este tipo de empresas. 

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