Protect Defenders, o “pronto-socorro” europeu para quem defende os direitos humanos

O mecanismo europeu apoiou até agora mais de 11 mil defensores de direitos humanos em situações de risco e reúne o esforço de mais de duas mil organizações. Socorre membros de ONG, advogados, artistas, bloggers, académicos e sindicalistas.

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EPA/JEROME FAVRE

Em três anos de actividade, o mecanismo europeu de apoio aos defensores de direitos humanos, o Protect Defenders, socorreu mais de 11 mil pessoas em situações de emergência e de risco, em 145 países de fora da União Europeia, de modo a garantir a sua segurança e formação para prosseguir o trabalho na promoção de direitos internacionalmente reconhecidos.

Defender os direitos humanos, em muitos países do mundo, pode ser perigoso. Entre 2016 e 2018, pelo menos 637 defensores dos direitos humanos perderam a vida nesta batalha e registaram-se mais de 2300 casos de intimidação, agressão física ou abuso judicial. 

“Recebemos três a quatro alertas por dia”, observa Javier Roura, responsável pela área de comunicação do Protect Defenders, em declarações ao PÚBLICO. A repressão sobre os defensores de direitos humanos pode assumir muitas formas e o assassinato é apenas “a maneira mais extrema de calar o movimento pelos direitos humanos”.

O maior número de alertas teve origem em países do continente americano e da Ásia e Pacífico. A grande maioria destas pessoas são membros de organizações não-governamentais, mas há também jornalistas, advogados, activistas, artistas, bloguers, académicos e sindicalistas. Cerca de 73% lutam por direitos cívicos e políticos (democracia e justiça) e 23% pugnam por direitos económicos, sociais e culturais (maioritariamente o direito à terra e na defesa do ambiente), mas também direitos sexuais e de género (2,8%) ou LGBTI (1,1%). “E esta é apenas a ponta do icebergue, porque muitos casos não são reportados”, acrescenta.

Ainda assim, o alcance deste mecanismo de apoio é vasto. A sua implementação é gerida por um consórcio de 12 organizações internacionais da sociedade civil, algumas das quais são elas próprias federações de entidades de dimensão nacional e local. Com sede em Bruxelas, o Protect Defenders congrega assim esforços de mais de 2000 organizações de todo o mundo que trabalham em prol dos direitos humanos.

O principal objectivo da sua criação, em 2015, foi assegurar uma resposta “específica e abrangente” para a protecção de defensores de direitos humanos em países fora da União Europeia, em particular nas zonas do globo onde o risco associado à defesa destas causas é mais elevado. Financiado em 95% pela União Europeia, através do Instrumento Europeu para a Democracia e os Direitos Humanos, o Protect Defenders dinamiza diferentes programas que visam a protecção e a segurança destas pessoas. 

Em situações de maior risco, quando existem ameaças à integridade física ou à própria vida dos defensores, ou quando, por exemplo, se verificam detenções arbitrárias, o Protect Defenders entra em acção e pode mobilizar ajuda financeira de emergência até um valor máximo de 10 mil euros. “É uma ferramenta muito flexível, por isso, dependendo da situação de cada pessoa, podemos mobilizar o apoio adequado”, explica Javier Roura. Este apoio pode envolver, por exemplo, o pagamento de despesas médicas e de representação legal ou a aplicação de medidas que contribuam para a segurança física destas pessoas. Até agora, cerca de 1100 subsídios de emergência foram distribuídos por cerca de 1200 defensores de direitos humanos de 100 países.

Cerca de metade dos apoios foram canalizados para o continente africano e asiático. O principal país destinatário foi a Síria com 95 subsídios de emergência atribuídos, mas o programa garantiu também ajuda de emergência a defensores em países como o Burundi (76), Honduras (49), Rússia (40) ou China (39), entre outros.

Relocalização temporária 

Em casos extremos, pode ser necessária a relocalização temporária destas pessoas. “Quando a situação é muito difícil e as medidas de segurança não são suficientes, estes defensores não podem ficar nos locais onde vivem ou trabalham”, explica Javier Roura. E, para isso, o Protect Defenders financia um outro programa que permite suportar o transporte e alojamento num local seguro, bem como o pagamento de despesas correntes.

Este programa é dinamizado através de uma parceria com mais de 110 organizações de acolhimento em todo o mundo, que providenciam também acções de formação e capacitação, bem como programas de terapia e reabilitação. “Não garantimos apenas casa e dinheiro, mas também o acompanhamento” destas pessoas, justifica Javier Roura, para “reforçar a sua capacitação”, e facilitar “um regresso mais seguro” aos seus países de origem, após o período de relocalização.  

Entre 2016 e 2018, foram atribuídos 330 fundos para a relocalização temporária de 460 defensores de direitos humanos ao abrigo deste programa, a maioria dos quais são provenientes de países asiáticos (36%) e africanos (29%). O Afeganistão lidera a lista de países onde foram desencadeadas mais relocalizações de emergência (106), seguido pelo Sudão do Sul (28) e a Rússia (22).

Note-se, no entanto, que apenas 26% destas pessoas foram relocalizadas em Estados-membro da União Europeia: o Reino Unido, a Holanda e a Alemanha são os países europeus que mais pessoas em risco acolheram até agora. 

Outras iniciativas do Protect Defenders contemplam o financiamento (até 60 mil euros) de organizações locais e grupos de defesa de direitos humanos, tendo já sido atribuídos 140 subsídios. Foram também dinamizadas cerca de 200 acções de formação e capacitação, envolvendo 5000 defensores, que visavam dar melhores ferramentas a pessoas e organizações para garantirem a sua própria protecção e monitorizarem violações de direitos humanos nos seus países.

Nas mãos da sociedade civil 

O facto de o Protect Defenders ser gerido pela sociedade civil garante “independência na sua implementação”, observa Javier Roura, e também facilita que o impacto do mecanismo seja maximizado, beneficiando da rede alargada de organizações a actuar em diferentes regiões do mundo e com conhecimento específico na protecção de direitos e comunidades mais vulneráveis. “É um esforço permanente. Haverá sempre comunidades em dificuldades e defensores de direitos humanos que não conseguimos alcançar”, nota. 

O consórcio mantém igualmente uma “cooperação constante” com instituições da Comissão Europeia a actuar na área dos direitos humanos e do desenvolvimento, e com as delegações europeias em países terceiros, para troca de informação e reporte de casos concretos. A UE “não é só o principal financiador do consórcio, mas também um dos pilares da sua implementação”, realça.

Do orçamento do mecanismo – 15 milhões de euros para três anos – não sobra nada. “Recebemos muitos pedidos e todos têm resposta. Se recebêssemos mais alertas, teríamos algumas dificuldades” financeiras, admite Javier Roura. 

Mas esta parece ser a tendência. “Todos os anos, registamos mais mortes, mais ameaças, mais ataques violentos”, observa. O número de alertas aumentou de 899, em 2016, para 943, em 2017. Para este ano, ainda só existem dados provisórios.  

A redução do espaço de actuação da sociedade civil “é um fenómeno global”, como já notara um relatório da União Europeia de 2017, que se tem materializado na publicação de legislação restritiva do direito de associação e de reunião, mas também em restrições acrescidas ao financiamento externo a organizações da sociedade civil.

E se as restrições à actuação destas organizações e a violência sobre os defensores de direitos humanos têm aumentado, a tendência no financiamento parece apontar em sentido inverso. Alguns dos principais países doadores estão a promover cortes no financiamento público à protecção destes defensores.

Um apelo aos estados 

A nível nacional, os países também podem fazer mais. Para vincar este apelo, foi apresentado em Outubro passado, por uma coligação de oito ONG internacionais – num processo que envolveu a consulta de outras 30 redes e organizações de todo o mundo –, um plano para promover a protecção de defensores de direitos humanos e a ser implementado por estados, empresas, instituições financeiras, entidades doadoras e instituições intergovernamentais. 

O documento foi apresentado, este Outubro, no final da Human Rights Defenders World Summit, que este ano comemorava os 20 anos da Declaração da ONU sobre os Defensores dos Direitos Humanos, adoptada em Dezembro de 1998, na qual se reconhecia, pela primeira vez, que todas as pessoas – no plano individual e colectivo – têm o direito de defender os direitos humanos.

Entre as propostas do plano, está o apelo a que todos os estados adoptem urgentemente planos de acção nacionais que garantam um ambiente “propício e seguro” aos defensores. As medidas concretas envolvem, por exemplo, a implementação de programas educativos para crianças e jovens, o levantamento de restrições ao financiamento internacional a organizações da sociedade civil ou a instituição de regimes de vistos específicos para a relocalização de defensores em risco. Países como a Espanha ou a Suécia, por exemplo, permitem que esta relocalização temporária possa durar até dois ou três anos, exemplifica Javier Roura. “A Declaração criou um enquadramento para a protecção dos defensores e foi um instrumento fundamental. Mas agora estamos num novo contexto e é necessário seguir em frente e exortar os Estados a protegê-los melhor”, reforça.

Subsídios a cair

O financiamento público internacional para a protecção de defensores dos direitos humanos está, porém, a diminuir. Entre 2014 e 2016, os subsídios públicos atribuídos a organizações internacionais a actuar nesta área caiu 2%, de 74,9 milhões de dólares para 73,4 milhões, segundo os dados compilados pelo Protect Defenders, junto de 23 entidades doadoras (10 públicas e 13 privadas).

Alguns dos principais países doadores estão a reduzir os orçamentos previstos para este fim, nomeadamente por via da reafectação de recursos para “assuntos relacionados com migrações”. Entre os principais cortes, destaque para a Dinamarca que reduziu o apoio em 50%, a Holanda (-40%) e a Suécia (-11%). Até 2016, esta quebra foi compensada por um aumento do apoio público da União Europeia e dos Estados Unidos. Entre 2013 e 2016, a União Europeia destinou entre 20 a 30 milhões para este fim, nomeadamente através do Instrumento Europeu para a Democracia e Direitos Humanos. 

Ainda assim, o financiamento global à protecção dos defensores dos direitos humanos cresceu 1% desde 2014, totalizando 98,8 milhões em 2016, devido ao aumento de 12% nos fundos privados canalizados para este objectivo. Contudo, as doações públicas representam um valor três vezes superior às privadas e, num contexto global de agravamento “sem precedentes da repressão” de defensores dos direitos humanos, este aumento “não será suficiente para compensar a quebra no financiamento público”, refere o relatório.

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