Os Jogos de Inverno de 2026 têm sido um problema para o COI

Depois de muitas desistências por falta de apoio popular, Milão-Cortina e Estocolmo são as duas candidaturas que avançam, mas nenhuma delas tem apoio financeiro dos respectivos governos.

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Os jogos Olímpicos de Inverno estão a deixar de ser apelativos LUSA/VALDRIN XHEMAJ

Sejam de Verão ou de Inverno, já lá vai o tempo em que as cidades se acotovelavam para terem a honra de receberem uma edição dos Jogos Olímpicos. Os Jogos de Verão em 1936, que seriam em Berlim, chegaram a ter 13 candidaturas na fase da votação, e os Jogos de Inverno, embora menos concorridos por causa da sua especificidade, tinham quase sempre uma boa selecção de candidatos. Neste momento, está em curso o processo de atribuição para os Jogos de Inverno de 2026 e restam apenas duas propostas, uma italiana (Milão-Cortina d’Ampezzo) e uma sueca (Estocolmo). Ambas entregam nesta sexta-feira os respectivos “dossiers” de candidatura para avaliação do Comité Olímpico Internacional (COI), mas nenhuma das propostas apresenta garantias de apoio financeiro dos respectivos governos nacionais.

A votação final para a sede dos Jogos de 2026 irá acontecer a 24 de Junho próximo, na sede do COI, em Lausana e, até lá, uma comissão de avaliação irá analisar as duas candidaturas. Nesta fase das candidaturas, o COI exige garantias governamentais no que diz respeito a questões de segurança e controlo antidoping, e ambas têm essas garantias nos respectivos "dossiers", mas a verdade é que nenhuma delas beneficiará de apoio financeiro estatal, ou sequer beneficia de um clima político favorável para este tipo de empreendimentos.

Na Suécia, mais de quatro meses depois das eleições legislativas, ainda não há governo por não ter havido nenhum partido com uma maioria clara e ainda não houve acordo para formar uma coligação governamental. No entanto, o comité organizador já garantiu que não haverá dinheiro dos contribuintes suecos nos Jogos de 2026 – as responsabilidades serão locais e de entidades privadas. Em Itália, o governo tem de se preocupar mais em cumprir promessas eleitorais no que diz respeito a salários e pensões, ao mesmo tempo que tenta evitar um confronto com a União Europeia no controlo do défice, e já declarou publicamente que não irá prestar qualquer apoio financeiro, deixando essa responsabilidade para os governos regionais da Lombardia e de Véneto e para a iniciativa privada.

O processo de atribuição dos Jogos de 2026 tem alguns pontos em comum com os de 2022, em que a corrida ficou reduzida a dois (Pequim, que ganhou a votação final, e Almaty, no Cazaquistão), depois de outras cidades (Oslo, Estocolmo e Cracóvia) ter saltado fora por falta de apoio popular. A última a desistir foi Calgary, que já tinha recebido os Jogos de Inverno em 1988. Depois de um impasse na administração local para liberar os fundos para receber os Jogos, decidiu-se por um referendo não vinculativo, em Novembro do ano passado, para testar a vontade da população – o “não” ganhou por 56% e a candidatura foi retirada.

Na Suíça e na Áustria, várias candidaturas também caíram por terra por falta de apoio popular. A japonesa Sapporo, que já recebeu os Jogos em 1972, retirou-se para concentrar os seus esforços nos Jogos de 2030, enquanto Erzurum, na Turquia, tendo o apoio incondicional do governo de Erdogan, foi eliminada pelo COI por não cumprir os requisitos no que diz respeito a telecomunicações, transportes e aeroportos.

Se vamos ter uma cerimónia de abertura em San Siro, como propõe a candidatura Milão-Cortina (que chegou a incluir outra antiga sede, Turim), ou se Estocolmo se vai tornar na segunda cidade depois de Pequim a receber os Jogos de Verão (que foram em 1912) e de Inverno, saberemos em Junho próximo. Nenhuma das candidaturas, nem o próprio COI, admitem o cenário de alguma delas (ou ambas) saírem da corrida antes de Junho, mas há não muito tempo falava-se de Salt Lake City, sede dos Jogos em 2002, como estando de reserva para o caso de não haver mais ninguém na corrida – já está garantido, no entanto, que irá avançar para os Jogos de 2030.

Sendo provável que nenhuma das candidaturas desista, percebe-se que as populações locais pensam cada vez mais nos custos do que nos benefícios de terem uns Jogos Olímpicos à porta de casa. “Obviamente que estamos preocupados. Temos de encontrar soluções, mas também temos de ser honestos em relação às causas”, admitia um responsável do COI à Reuters, depois do não no referendo de Calgary. E ninguém quer ter ruínas no quintal, como aconteceu em muitas cidades que receberam os Jogos, ou ficar a pagar durante décadas uma festa que dura um par de semanas.

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