A “traição” de Costa a Seguro repete-se no PSD? Semelhanças e diferenças

O que está a acontecer no PSD faz lembrar o processo conturbado das primárias do PS quando, no Verão de 2014, António Costa chegou e disse a António José Seguro: "Estou disponível para liderar a mudança".

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1- Costa esperou pelo resultado das europeias, Montenegro não. Mas o objectivo é o mesmo

O tiro de partida para a conquista da liderança do PS foi dado por António Costa na noite eleitoral das eleições europeias de 25 de Maio de 2014 que o PS ganhou por 31,5% (oito deputados), seguido do PSD com 27,7% (sete deputados). Nessa noite, na SIC Notícias, António Costa comentou que aquela vitória “sabe a pouco”. "A vitória não pode voltar a saber a pouco"​, disse na mesma noite ao Observador. Dois dias depois, no final da inauguração de uma estátua de Maria José Nogueira Pinto, António Costa garantia preto no branco aos jornalistas estar pronto a avançar. “Estou naturalmente disponível para assumir essa responsabilidade, de liderar essa mudança e garantir um governo sólido em Portugal, porque isso é essencial para a mudança que os portugueses disseram muito expressivamente querer”, declarou o presidente da Câmara de Lisboa. O então autarca explicou ainda a razão por que decidiu avançar: "Sinto que é meu dever corresponder àquilo que eu lancei e que eu sinto ser aquilo que os socialistas e muitos cidadãos que, não sendo socialistas, acham que eu posso e tenho o dever de dar ao país."

As eleições europeias de 2014 ocorreram ano e meio antes das legislativas. António José Seguro acabou por marcar para Setembro eleições primárias para os militantes do PS e simpatizantes escolherem o candidato do partido a primeiro-ministro - foi a primeira vez que tal aconteceu num partido português. António Costa teve tempo para fazer a campanha interna, impor-se no partido, fazer um programa eleitoral com calma e concorrer à Assembleia da República. As próximas eleições europeias, porém, estão aí à porta (a 26 de Maio), realizam-se com apenas cinco meses de intervalo das legislativas (6 de Outubro). Mas, tanto num caso como noutro, em 2014 como agora, os críticos do líder em funções querem impedir que este dispute um lugar no Governo.

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2 - “Nunca farei o que Costa fez a Seguro”, disse Montenegro. É verdade?

Dias depois do último congresso do PSD, Luís Montenegro garantiu, num programa na TVI: “Não vou fazer o que Costa fez a Seguro”. Então, e agora? O ex-líder parlamentar do PSD está, tal como Costa, a disponibilizar-se para disputar a liderança do partido ao presidente em funções mas considera que não se trata de uma traição porque não fez nenhum pacto de não-agressão com Rui Rio como aquele que António Costa fez com António José Seguro (o acordo de Coimbra). Montenegro nunca assumiu tréguas, manteve sempre as suas críticas a Rio e, no último congresso do partido, subiu ao palco e não disfarçou a sua ambição: "Conhecem a minha convicção e a minha determinação. Se for preciso estar cá, eu cá estarei, para o que der e vier, sem receio de nada e sem estar por conta de ninguém, sou totalmente livre. (...) Desta vez decidi não [avançar], se algum dia entender dizer sim, já sabem, eu não vou pedir licença a ninguém". Seguramente, o social-democrata vai defender-se de comparações com Costa (que, aliás, já começaram vindas da ala de Rui Rio), com esse discurso feito em pleno Congresso.

3 - Interrupção de ciclos. Ainda há surpresas em política

O tempo muda cada vez mais rapidamente em política. Rui Rio sabia que havia essa espada pendente sobre si mas relativizou sempre a ameaça e rejeitou acelerar calendários. Aliás, ainda há pouco tempo, a 3 de Dezembro, teorizou sobre isso: no tempo de Francisco Sá Carneiro “os líderes perdiam eleições e não saíam, continuavam”, disse, notando que o próprio Sá Carneiro perdeu eleições, Mário Soares também e “Álvaro Cunhal nunca ganhou nenhuma”. Já vinha a preparar o PSD para uma eventual derrota nas legislativas de Outubro. António José Seguro, que ia no segundo mandato como secretário-geral do PS, também estava confiante que iria preparar o programa eleitoral para as legislativas.

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4 - Apoios. Mercado de transferências acelera rapidamente

Até ao dia em que tem um adversário de peso, o líder em funções domina o aparelho. E no dia seguinte? António José Seguro sentiu na pele o afastamento rápido de pessoas que o haviam apoiado para passarem para as hostes de Costa: Mário Soares, João Cravinho, Pedro Nuno Santos. Em poucas horas, já se percebeu o que se passará no PSD. Isso é verificável, por exemplo, nas distritais do PSD que assinaram o documento a pedir destituição do líder e novo congresso. Bruno Vitorino, do PSD-Setúbal, e Pedro Alves, do PSD-Viseu, são dois exemplos. Assinaram em Setembro uma carta a apoiar a liderança (apenas o PSD de Lisboa se recusou a fazê-lo), mas, segundo o Sol, já aparecem do outro lado. Embora haja aqui graus diferentes de afastamento: Pedro Alves esteve com Rio em 2017.

5 - Delfins do primeiro-ministro

O que têm em comum António Costa e Luís Montenegro? António Costa chegou a número 2 do primeiro Governo de José Sócrates como ministro de Estado e da Administração Interna. Luís Montenegro não foi chamado por Passos Coelho para o Governo mas destacou-se no PSD como líder parlamentar durante os anos conturbados da troika em Portugal. De algum modo, consideraram-se candidatos naturais à sucessão.

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