Trump visita a fronteira com o México a pensar cada vez mais numa "emergência nacional"

Presidente norte-americano voltou a dizer que pode declarar uma emergência nacional, o que lhe permitiria contornar o Congresso e construir o muro.

Foto
Donald Trump antes de partir para o Texas Reuters/LEAH MILLIS

O Presidente dos EUA, Donald Trump, visita esta quinta-feira a cidade de McAllen, no estado do Texas, na fronteira com o México, numa tentativa de reforçar os seus argumentos a favor da construção de um muro. Antes da partida, foi questionado outra vez sobre se admite declarar um estado de emergência nacional, o que lhe permitiria contornar o Congresso: "É provável que sim. E quase diria de certeza que sim."

Há 20 dias que algumas agências e departamentos públicos norte-americanos estão encerrados ou a funcionar em serviços mínimos, depois de o Congresso e a Casa Branca não terem chegado a acordo para desbloquear as verbas anuais desses serviços – entre eles, o Departamento de Segurança Interna, que gere a segurança na fronteira.

Para autorizar esses pagamentos, o Presidente Trump exige que o Partido Democrata concorde em incluir 5,7 mil milhões de dólares para o início da construção de um muro na fronteira com o México. Por seu lado, o Partido Democrata admite apenas aprovar uma proposta com 1,3 mil milhões de dólares a mais para o Departamento de Segurança Interna, sem autorização para serem usados na construção de um muro – essa verba pode ser gasta na compra de material tecnológico e outros equipamentos e também no reforço das vedações e barreiras já existentes, por exemplo.

Ao fim de três semanas, é difícil perceber como se poderá resolver este impasse. Na terça-feira, durante uma comunicação ao país na Casa Branca, o Presidente Trump voltou a dizer que há uma emergência nacional na fronteira com o México e descreveu a situação como "uma crise do coração e uma crise da alma"; o Partido Democrata, pela voz da nova líder da Câmara dos Representantes, diz que a ideia da construção de um muro é "imoral".

Na noite de quarta-feira houve mais uma reunião entre o Presidente Trump e os líderes do Partido Democrata e do Partido Republicano no Congresso, mas o impasse não foi desfeito.

Segundo o líder da minoria do Partido Democrata no Senado, Chuck Schumer, Trump fez "uma birra", deu um murro na mesa e saiu da reunião assim que Nancy Pelosi lhe disse que não iria desbloquear verbas para o muro em qualquer cenário; esta quinta-feira, o Presidente Trump disse no Twitter que não fez birra nem bateu na mesa, apenas "disse adeus de forma educada" e saiu.

Shutdown mais longo de sempre

No meio das discussões sobre a construção de um muro na fronteira, quase 400 mil funcionários públicos norte-americanos estão em casa há 20 dias, sem salário, e outros 400 mil, considerados essenciais, são obrigados a trabalhar sem receber – tudo porque as suas agências e departamentos deixaram de ter orçamento para pagar salários e manter serviços a funcionar em pleno.

Este é já o segundo encerramento parcial do governo americano (shutdown) mais longo de sempre, e é quase certo que subirá ao topo da lista – o recorde, de 21 dias consecutivos, entre 1995 e 1996, será ultrapassado este sábado.

Alguns senadores do Partido Republicano propõem que o Partido Democrata aprove as verbas para o muro em troca da legalização definitiva dos 800 mil adultos que chegaram aos EUA quando eram crianças – estas pessoas, conhecidas como "dreamers", viram o seu estatuto legal provisório ser anulado pelo Presidente Trump e podem vir a ser deportadas se o Supremo vier a dar razão à Casa Branca.

Mas até ao momento, tanto o Presidente Trump como a presidente da Câmara dos Representantes têm rejeitado essa hipótese – ambos apostam ainda na pressão pública, acreditando que os efeitos do shutdown vão obrigar um dos lados a recuar.

Perante este impasse, o Presidente Trump começou a dizer, nos últimos dias, que pode declarar um estado de emergência nacional na fronteira com o México. Dessa forma, poderia ordenar o desvio de verbas do Exército para a construção do muro, sem precisar da autorização do Congresso.

Podcast Fogo e Fúria: E se Trump declarar emergência nacional para construir o muro?

Se isso acontecer, o Partido Republicano na Câmara dos Representantes e no Senado poderia aprovar as propostas de orçamento do Partido Democrata sem ter de confrontar o Presidente Trump, e o shutdown chegaria ao fim.

Mas a declaração de um estado de emergência na fronteira com o México seria certamente contestada nos tribunais. Segundo alguns especialistas, é possível que os juízes não queiram substituir-se ao Presidente na definição de emergência nacional – isto é, apesar de o Partido Democrata afirmar que não existe nenhuma situação de emergência na fronteira, os Presidentes têm margem de manobra para impor a sua definição, segundo explica o jornal New York Times.

"Se algum tribunal decidisse avaliar se estamos de facto perante uma emergência nacional, ele [Donald Trump] teria um grande problema", disse ao New York Times Elizabeth Goitein, do Centro Brennan para a Justiça na Universidade de Nova Iorque.

"Penso que seria um abuso de poder declarar uma emergência onde ela não existe. O problema é que o Congresso permitiu esse abuso de poder ao não impor praticamente nenhum limite à capacidade do Presidente para declarar uma emergência", disse a Goitein.

Ou seja, se o Congresso votar contra a declaração de emergência, o Presidente pode vetar essa decisão – e para reverter um veto do Presidente, é preciso que o Congresso reúna dois terços dos votos, algo improvável dada a actual configuração das duas câmaras (no Senado são precisos 67 votos e o Partido Democrata tem 47; e na Câmara dos Representantes são necessários 290 votos e o Partido Democrata tem 235).

Mas há muitos outros obstáculos legais entre a declaração de um estado de emergência e o início da construção de um muro – incluindo a expropriação de terrenos na fronteira, que no estado do Texas são, em grande parte, detidos por privados.

Fim do impasse

Em termos políticos, a declaração de emergência nacional poderia servir de alívio a curto prazo para todas as partes – o shutdown seria levantado sem que nenhuma das partes surgisse aos olhos dos seus eleitores como a grande derrotada. E a contestação nos tribunais garante que a construção do muro não iria começar a curto prazo.

A consequência mais grave, na opinião de Elizabeth Goitein, é a facilidade com que este e outros Presidentes poderiam vir a declarar situações de emergência para cumprir promessas de campanha: "É uma crise quando o Presidente dos Estados Unidos não quer saber do papel do Congresso e abusa dos seus poderes para o contornar e sabotar o processo democrático para o processo legislativo que está inscrito na Constituição."

Sugerir correcção
Ler 1 comentários