Lei de Bases da Saúde: esquerda quer que PS clarifique posição

Os socialistas estão encurralados entre os apelos ao consenso, que vêm da direita, e os desafios da esquerda para que assumam, de uma vez por todas, a defesa do SNS

PCP critica promiscuidade entre público e privado nas propostas do PSD e do CDS
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PCP critica promiscuidade entre público e privado nas propostas do PSD e do CDS Enric Vives-Rubio
Moisés Ferreira pede ao PS para se decidir
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Moisés Ferreira pede ao PS para se decidir LUSA/ANTÓNIO COTRIM
Maria Antónia Almeida Santos (PS)
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Maria Antónia Almeida Santos (PS) NFS Nuno Ferreira Santos

O PS está satisfeito com a disponibilidade assumida pelo PSD para um consenso com os socialistas em torno da aprovação de uma nova Lei de Bases da Saúde. Já o Bloco de Esquerda e o PCP acreditam que esta é a oportunidade ideal para os socialistas tomarem uma decisão. “O PS tem de vir a público dizer o que pretende: alinhar com a direita ou dialogar à esquerda”, desafia Moisés Ferreira, do Bloco de Esquerda. Carla Cruz, do PCP, assume que “no momento em que o Serviço Nacional de Saúde sofre um ataque tão violento, o que se esperaria do PS é que assumisse a sua defesa”.

O dia começou com o PSD a apresentar a proposta de Lei de Bases da Saúde, que assenta na cooperação entre sectores público, privado e social, e a deixar no ar um apelo a consensos entre os partidos que antes compunham o arco da governação, PSD, CDS e PS. "O PSD está apostado em ser o centro do debate e em ser capaz de fazer confluir em torno do seu projecto a proposta do Governo e a do CDS", afirmou o deputado Adão Silva aos jornalistas, na sede nacional do partido.

O debate parlamentar da proposta de lei do Governo e dos restantes partidos está marcado para 23 de Janeiro e a expectativa dos sociais-democratas é que todos os diplomas possam baixar sem votação à discussão na comissão, como aconteceu com o do Bloco de Esquerda.

"A perspectiva que temos é a de que os debates e projectos de lei baixem à comissão sem votação, para que na comissão se faça um debate mais detalhado, mais alongado, mais técnico, ouvindo pessoas", defendeu o também vice-presidente da bancada do PSD.

Uma hora depois, foi a vez de Assunção Cristas explicar que também o CDS tem uma Lei de Bases da Saúde inspirada na proposta do grupo de trabalho governamental liderado por Maria de Belém Roseira, ex-ministra da Saúde do PS. Os centristas querem “um SNS centrado e focado no cidadão”, com “visão abrangente” e em que “o Estado [se assuma] como garante máximo da saúde”.

Tal como o PSD, também o CDS defendeu a possibilidade de todos os partidos conseguirem chegar a um consenso sobre esta matéria, respondendo a um apelo do Presidente da República.

A resposta do PS

Ao PÚBLICO, o PS louvou, mais tarde, os apelos ao entendimento. “A manifestação dessa disponibilidade é um bom ponto de partida”, assumiu a porta-voz do PS, Maria Antónia Almeida Santos, que é também vice-presidente da comissão parlamentar de Saúde e membro da comissão permanente da direcção socialista.

Maria Antónia Almeida Santos fez questão de esclarecer que não conhecia ainda os conteúdos do projecto de Lei de Bases da Saúde apresentado pelo PSD, advertindo ainda que este processo legislativo tem contornos técnicos que só durante as negociações concretas no Parlamento poderão ser precisados.

A porta-voz do PS garantiu, porém, que a posição de abertura do PSD “é de louvar (…) tanto mais que se trata de uma lei de bases em que se irá prevê o futuro” para a Saúde. “É a Constituição do Serviço Nacional de Saúde”, afirmou a deputada.

Mas este PS que elogia a capacidade de diálogo da direita, não agrada à esquerda. O deputado do Bloco Moisés Ferreira assume ao PÚBLICO que “convém que o PS clarifique” a sua posição porque tem dado “sinais contraditórios” em matéria de SNS. “Não pode continuar a dizer uma coisa à segunda (que quer a separação entre público e privado) e a fazer outra à quarta (lançar a nova parceria público-privada do Hospital de Braga)”.

Carla Cruz, do PCP, também entende que este é o momento certo para o PS assumir “a defesa do serviço público de saúde” ao contrário do que tem feito. “A decisão sobre o Hospital de Braga mostra claramente que o PS ainda não rompeu com a política de direita que introduziu a gestão privada no SNS e as PPP”, critica a parlamentar comunista.

Esquerda rejeita promiscuidade

Há uma expressão que tanto o Bloco de Esquerda com o PCP usam para se referirem às propostas de Lei de Bases da Saúde do PSD e do CDS: fomentam “a promiscuidade entre o sector público e o privado”.

“Parece uma corrida a ver quem protege mais os privados”, diz Moisés Ferreira, identificando como principais problemas do SNS a “lei de 1990 e a promiscuidade” entre público e privado. “Se o PS concordar com os pilares de defesa do SNS, que incluem a exclusividade dos médicos, a separação entre público e privado e o fim das PPP, não terá dificuldade em votar alguns projectos do BE, mas o PS tem de se definir e dizer qual é o lado que escolhe”, insiste o bloquista.

“Sem prejuízo de uma análise mais detalhada, atenta e cuidadosa, o que nos apraz dizer é que as duas propostas são muito parecidas. Aprofundam a promiscuidade entre sector público e privado e o caminho de destruição do SNS por via da sua privatização”, comenta, por seu turno, Carla Cruz, sublinhando que o projecto do PSD diz que “o Governo pode estabelecer incentivos à criação de unidades privadas de saúde”. 

Sobre um eventual consenso entre PS, PSD e CDS neste tema, Carla Cruz desvaloriza: “Não é a primeira vez que várias vozes têm vindo a público a pedir um pacto de regime”. A parlamentar aproveita para desafiar o PS a assumir a defesa do SNS. “É o momento claro para o fazer”, diz.

O PÚBLICO contactou Maria de Belém Roseira, coordenadora da comissão de revisão da Lei de Bases da Saúde criada pelo Governo, para obter um comentário às duas propostas agora conhecidas e tendo em conta que ambas recuperam parte da pré-proposta apresentada pela comissão. A ex-ministra da Saúde disse não conhecer ainda as iniciativas, motivo pelo qual não quis comentá-las. Sobre a recuperação de algum do texto da comissão, Maria de Belém considerou que, se os partidos o fizeram, é “por verem nele qualidade”.

com São José Almeida, Ana Maia e Lusa

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