Trabalhadores pedem inspecção urgente à autoridade da aviação civil

Comissão de Trabalhadores diz que os mais de 1,5 milhões gastos em quatro anos na área informática não são visíveis e ainda há muitos departamentos onde quase tudo é feito em papel.

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PAULO PIMENTA

A Comissão de Trabalhadores da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) pede ao presidente da Assembleia da República uma “inspecção exterior e independente” à gestão daquela entidade reguladora, em particular às contratações na área informática, para se apurar “o que foi pago, o que foi aceite e eventuais responsáveis”.

Numa carta enviada no final do ano passado ao Parlamento, considerado o principal órgão de supervisão dos reguladores, os membros da Comissão de Trabalhadores (CT) mostram “preocupação” com a contratação feita desde 2015 na área informática com o recurso “maioritariamente” ao ajuste directo. Garantem que encontraram no portal dos concursos públicos contratos para adquirir “aplicações idênticas, celebrados em anos diferentes”, com a mesma empresa, dando como exemplo um primeiro assinado em Julho de 2015 e outro em Outubro de 2016, ambos com valor aproximado de 37.500 euros.

“Estas aplicações não foram até hoje disponibilizadas nem às direcções de serviços, nem aos técnicos a quem se destinavam como ferramentas de trabalho”, asseguram. Confrontado pelo PÚBLICO, o conselho de administração da ANAC, liderado desde Julho de 2015 por Luís Miguel Ribeiro, garantiu por escrito que “os serviços pagos foram prestados e estão disponíveis para utilização”.

Gastos não parecem compatíveis

A CT diz que compilando dados a partir do portal dos concursos públicos, contabilizaram até ao ano passado mais de 1,5 milhões de euros despendidos na área da informática – em serviços, programas e equipamentos informáticos – gastos que não parecem compatíveis “com o nível de informatização dos serviços da ANAC”.

E exemplificam. “Um simples ofício continua a ser feito segundo o método arcaico do copy/paste, sem qualquer tipo de automatização, sendo o seu controlo (n.º sequencial e assunto) assente em papel guardado em pasta para o efeito”. As propostas de deslocações em serviço são preenchidas em papel “circulando depois pelas diferentes chefias para apreciação e aprovação com o enorme tempo inerente a este sistema próprio do século passado”, descreve a Comissão de Trabalhadores. E acrescenta: “Existem várias unidades orgânicas onde quase tudo, incluindo os registos de auditorias, inspecções e respectivos relatórios, é realizado em suporte de papel”. 

Sem refutar os exemplos, a administração da Autoridade Nacional de Aviação Civil confirma que foram gastos 1,5 milhões na área informática, mas enfatiza que tal corresponde ao “montante global gasto em quatro anos”. Considera que o valor “em causa está dentro do expectável para uma entidade como a ANAC” e refere que apesar de não ser obrigada contrata muitas vezes através dos acordos-quadro para toda a Administração Pública.

Para comprovarem os problemas ao nível da informatização da ANAC, os seis subscritores da carta da CT citam uma informação interna do director dos serviços de informática, de Agosto do ano passado, um documento que anexam à missiva. Nele, o responsável sublinha a importância das obrigações e desafios da ANAC, não só a nível nacional, mas também internacional, e da “complexa dinâmica” do sector que implica áreas diferentes como o licenciamento, a regulamentação, certificação, aeronaves, infra-estruturas, planeamento e risco, entre outras.

“É, por isso, imperativo que a ANAC em Portugal esteja dotada com as melhores ferramentas de gestão e controlo que a tecnologia actual disponibiliza para este sector específico de actividade no sentido de melhor garantir o objectivo primordial da segurança das pessoas no âmbito do transporte aéreo”, escreve o director. E reconhece: “acontece, contudo, que a ANAC não está dotada de tais ferramentas e não possuiu o software aplicacional adequado para a gestão e controlo eficiente e efectivo e, de forma integrada das suas matérias”.

Director informático preocupado

O director da informática mostra-se preocupado com a dispersão dos dados compilados pelo regulador da aviação. “A dispersão de informação por pequenas bases de dados isoladas, desenvolvidas por antigos funcionários já aposentados e estagnadas pela evolução da tecnologia, com a consequente duplicação de dados de pessoas e organizações que deveriam ser únicos sobre matérias fundamentais, é um problema que urge resolver”, afirma. E admite que tal “afecta transversalmente” a ANAC e “condiciona de forma negativa a execução, a eficiência da gestão e o controlo interno”.

Sobre as palavras do director de informática, a administração da autoridade de aviação diz que é preciso contextualizá-las. “Foram identificadas há muito tempo necessidades de melhoria a diversos níveis”, reconhece. As afirmações, refere a ANAC, serviram de base para o lançamento do concurso de “aquisição e implementação do Sistema Integrado de Gestão para a Autoridade de Aviação Civil”, em Outubro passado. A instituição recorreu à figura do concurso limitado por prévia qualificação para lançar o procedimento com um valor base de 1,75 milhões de euros. Tal aconteceu depois de um concurso anterior ter sido impugnado e anulado pelo próprio regulador.

O concurso lançado no ano passado, sublinha a ANAC, teve “publicidade internacional” tendo sido anunciado no Diário da República, no Jornal Oficial da União Europeia” e em plataformas de contratação pública, o que para o regulador é “garantia de transparência, publicidade e concorrência”. Sobre o concurso, a autoridade de aviação recusa adiantar detalhes já que o mesmo “ainda está a decorrer”.

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