Marcelo, o revolucionário

No momento em que o discurso de Ano Novo presidencial soava nas casas dos portugueses, ele estava fisicamente próximo dos antípodas daquilo que defendeu e de corpo e alma em consonância com aquilo que disse.

Pode um apelo ao “bom senso” ser revolucionário? Pode um discurso de boas festas ser um programa político contra a corrente? Claro que sim, especialmente se se for presidente de um país como Portugal e se se chamar Marcelo Rebelo de Sousa.

E como explicar que, à hora em que as palavras conciliadoras do discurso de Ano Novo presidencial soavam nas casas dos portugueses, ele estivesse fisicamente próximo dos antípodas daquilo que defendeu e de corpo e alma em consonância com aquilo que disse? Resposta no parágrafo anterior.

Por um lado, não deve haver, de momento, melhor exemplo que condense a ameaça de fazer perigar a democracia “com arrogâncias intoleráveis, com promessas impossíveis, com apelos sem realismo, com radicalismos temerários, com riscos indesejáveis”, como escreveu Marcelo, do que Jair Bolsonaro. Mas era no Brasil, para a posse do novo Presidente que estava Marcelo, quando foi transmitido o seu discurso. Nem de outra forma poderia ser, se quisesse manter a coerência com aquilo que havia escrito, mesmo que isso irrite algumas vozes à esquerda que, perante a monstruosidade que é Bolsonaro, acham que a resposta correcta de governantes de um país com as relações de Portugal com o Brasil era faltar à tomada de posse do seu Presidente legitimamente eleito.

“Debatam tudo, com liberdade, mas não criem feridas desnecessárias e complicadas de sarar”, escreveu Marcelo. “Liberdade, diferença, pluralismo, Estado de direito. Que não há ditadura, mesmo a mais sedutora, que substitua a democracia, mesmo a mais imperfeita.” Infelizmente, nos dias que correm, coisas óbvias e cristalinas como estas são as vozes revolucionárias que precisamos de ouvir, precisamente porque vão contra a acidez e o cinismo que corrói as nossas comunidades, cada vez mais polarizadas.

Marcelo Rebelo de Sousa, que, não por acaso, teve neste discurso várias referências ao que se passa na Europa e no mundo, sabe que a nossa periferia e um sistema político bem equipado para lidar com inclinações anti sistémicas não nos tornam imunes para sempre às políticas do ódio. Aqui bem ao lado, em Espanha, aí está o Vox para nos lembrar disso. Absolutamente necessário estreitar o fosso das desigualdades sociais e fazer deste um mundo mais inclusivo. Mas a revolução é, cada vez mais, a defesa da democracia com esse apelo para 2018, tão cândido e tão poderoso, se quisermos “olhar para mais longe e mais fundo”: votem.

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