Feliz 2019: um elogio da amêndoa de Ferreira do Alentejo

Sempre que puder, recuse a amêndoa californiana, que invadiu o mercado português por ser barata. Pergunte de onde vêm as amêndoas que compra. Siga as amendoeiras que vê da janela do seu carro.

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Manuel Roberto

Há boas notícias para este novo ano. As avelãs gradas de Viseu que eu tanto tenho elogiado já se encontram disponíveis em miolo e hermeticamente seladas com um prazo de validade que vai até Setembro deste ano.

Estão de parabéns Anita Cabral de Almeida e a Casa da Nespereira. Cada embalagem já conta com dois números de telefone (934 469 839 e 938 664 303) para atender os interessados. Tenho de confessar que não as comprei: foram-me oferecidas pelo Natal, pela própria produtora. Limitei-me a prová-las e a verificar que continuam maravilhosas.

O meu fruto seco favorito é a amêndoa. Gosto dela torrada no forno. Para ficarem perfeitas escaldam-se três vezes em água acabada de ferver, descascam-se a quente e secam-se com pano e secador de cabelo. Junta-se flor de sal (e pimenta acabada de moer, caso queira) e assam-se num forno a 170 graus, sacudindo frequentemente até ficarem morenas.

Há muitas variedades portuguesas e espanholas de amêndoa. É um mundo complicadíssimo e fascinante, com tragédias a mais para quem seja sensível. Não é só no Douro e no Algarve que há amêndoas deliciosas - e deliciosamente diferentes. As melhores amêndoas que já comi vieram de Figueira de Castelo Rodrigo, no distrito da Guarda.

O que eu não sabia (mas em Portugal infelizmente está-se sempre a aprender, porque as coisas boas andam quase sempre escondidas) é que havia amêndoas excelentes no Alentejo.

Foi Luísa Catarino que me sussurrou o nome da empresa familiar Migdalo, em Ferreira do Alentejo. Enche a alma saber que se trata de uma empresa recentemente criada, moderníssima e fácil de contactar. Encomendei online um saco de 5 quilos (por 55 euros) e fizeram o favor de mandar também amostras de outras variedades de amêndoa.

São tantas as variedades de amêndoa que se perde o ânimo de persegui-las. As amêndoas de que mais gosto são pequenas e muito espalmadas, dividindo-se facilmente em dois, o que só as torna mais deliciosas.

Graças a Miguel Matos Chaves, a Migdalo está a contribuir para o nosso esclarecimento nomeando directamente as variedades de amêndoa que produzem.

A Maria João e eu provámos as diferentes variedades em cru e torrado. Os resultados foram muito diferentes. A crua de que mais gostámos - a francesa Lauranne - foi das que menos gostámos torrada. Aquela que elegemos a melhor quando torrada - a Vairo - não nos impressionou em cru. A única variedade de que gostámos igualmente cru e assada foi a Soleta.

A cru não gostámos nem da Belona, da Guara e da Vairo. Mas torrada a melhor de todas foi a Vairo, doce e gordinha. A Soleta também é deliciosa, menos gorda e menos doce mas mais estaladiça. A Belona será um pouco mais seca - as amêndoas alentejanas são tão secas como saborosas, prestando-se a serem torradas - mas também é irresistível. A Lauranne torrada tem pouco sabor (é melhor crua) e a Guara, lamento dizer, não sabe a nada.

Veja-se que esta prova foi feita com apenas uma mão-cheia de variedades. Quantas haverá por Portugal inteiro? E pelo Norte de África? E por Espanha? E por França? E pelo Mediterrâneo? E pelas Arábias? E pelo mundo fora?

A amêndoa a evitar absolutamente é a californiana, redonda, rija e sensaborona. Já invadiu o mercado português porque é barata (apesar de os EUA não pertencerem à União Europeia) e gorda. É fácil de detectar na doçaria tradicional portuguesa, onde é raro encontrar um doce de amêndoa que não seja feito com amêndoa americana.

Se fosse boa, porque não? Mas não é boa. É uma anti-amêndoa bojuda e monótona. Recuse-a sempre que puder. Pergunte de onde vêm as amêndoas que compra. Siga as amendoeiras que vê da janela do seu carro. Pergunte porque é que foram abandonadas. A única maneira de socorrê-las é dando valor às amêndoas que produzem.

Ainda vamos a tempo?

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