Caça à baleia: “Há agora duas grandes incógnitas”

Luís Freitas, especialista em cetáceos, é o actual comissário de Portugal na Comissão Baleeira Internacional, que analisa periodicamente as medidas de gestão e conservação daqueles animais a nível mundial.

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Biólogo Luís Freitas, o comissário de Portugal na Comissão Baleeira Internacional DR

Agora coordenador da Unidade de Ciência do Museu da Baleia da Madeira, o biólogo Luís Freitas foi o seu director entre 1996 e 2014. Desde 2016 é o representante de Portugal na Comissão Baleeira Internacional, que aplica a Convenção Internacional para a regulação da Actividade Baleeira, assinada em 1946 promover a manutenção das espécies e desenvolver a indústria baleeira de forma sustentável. Ajuda-nos aqui a compreender os meandros dos (poucos) países que ainda caçam baleias.

Como comenta a posição do Japão de abandonar a Comissão Baleeira Internacional?

Lamento a posição do Japão e espero que se mantenha o diálogo para encontrar uma solução que vá ao encontro dos interesses das partes, para que se tentem acomodar as sensibilidades e a vontade da maioria dos países sem, no entanto, alienar o Japão nas suas intenções. Uma possibilidade poderá ser a permissão de algum tipo de caça comercial ou caça que tenha valor para as populações locais no Japão – não a caça comercial para ser transformada ou exportada em larga escala –, desde que devidamente controlada. Esta matéria [em relação ao Japão] foi discutida no seio da Comissão Baleira Internacional e nunca obteve o apoio necessário.

A caça à baleia tem muito a ver com a evolução das mentalidades ao longo do tempo. E os países contra a caça comercial à baleia não conseguiram fazer passar a sua mensagem junto dos responsáveis japoneses no sentido de os sensibilizar para as vantagens em manter as populações de baleias saudáveis que possam contribuir para o equilíbrio e bom funcionamento dos ecossistemas e contribuir também economicamente para actividades como a observação dos cetáceos. Mas é fundamental continuar o diálogo para encontrar caminhos que permitam manter a gestão das populações de cetáceos no âmbito da Convenção Internacional para a Regulação da Actividade Baleeira.

O que acontece com a saída do Japão da Comissão Baleeira Internacional?

O Japão saiu da Comissão Baleeira Internacional, mas mantém-se como observador. O que é um bom sinal, porque há sempre possibilidade de estabelecer diálogo e encontrar soluções que sejam a contento de ambas as partes. A gestão de recursos como as baleias, que migram, deve manter-se numa convenção internacional como a convenção baleeira, que faz essa gestão a nível internacional e trabalha de forma activa para a conservação e utilização benigna destes animais como recursos naturais.

Além de danos na imagem, as consequências para o Japão poderão depender da acção de países a nível diplomático e das relações bilaterais. E também da pressão da opinião pública internacional acerca desta matéria. Mas há agora duas grandes incógnitas. Não se sabe se a opinião pública japonesa vai reagir a esta decisão. E a outra incógnita é se esta actividade é sustentável do ponto de vista económico no Japão; se há mercado para os produtos de baleia que querem comercializar. Como tem sido uma actividade altamente subsidiada pelo Governo japonês e não se podem exportar produtos de baleia, não há certeza de que o mercado japonês seja suficiente para o consumo de carne de baleia.

Um dos aspectos positivos [da decisão japonesa] é ficar suspensa a caça à baleia do Japão para fins científicos na Antárctida. Ao abandonar a Comissão Baleeira Internacional, o Japão afirmou que só ia caçar baleias [comercialmente] nas suas águas territoriais e na zona económica exclusiva e que ia deixar de caçar para fins científicos. O Japão teve licença para caçar para fins comerciais 333 animais na Antárctida em 2018.

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Qual é a posição portuguesa em relação ao Japão?

A posição portuguesa é coordenada no seio da União Europeia, que tem sido contra a caça à baleia. Portugal não defende a caça à baleia, mas há que manter um diálogo com o Japão. A nossa posição também é justificada pelo facto de termos tido a capacidade de passar da caça à baleia nos Açores e na Madeira para uma utilização sustentável e não letal dos cetáceos através da observação de baleias e golfinhos com impacto nas comunidades locais.

A Noruega e a Islândia caçam comercialmente baleias. Qual é a diferença agora com o Japão?

A Noruega e a Islândia fazem de facto caça comercial à baleia. E nada acontece à Noruega porque, de acordo com as regras da Convenção Internacional para a Regulação da Actividade Baleeira, quando foi feita a moratória de 1982 [de proibição da caça] e que entrou em vigor em 1986, este país fez uma objecção à moratória. Com base nessa objecção, a Noruega pode caçar e estabelecer as suas quotas segundo uma avaliação dos stocks com alguma supervisão do comité científico da Comissão Baleeira Internacional. O Japão poderia fazer caça comercial à baleia se tivesse apresentado na altura, até 1986, essa objecção. Mas como não o fez, a solução que encontrou para continuar a caçar foi a via da caça científica.

E o que a Islândia fez foi sair da Comissão Baleeira Internacional no final dos anos 90 e depois voltou a entrar, colocando uma objecção à moratória, o que causou mal-estar entre os membros da convenção. As objecções só podiam colocar-se em 1986 ou por quem acaba de entrar como membro da convenção. Como a Islândia não colocou objecções à moratória em 1986, saiu e voltou a entrar na comissão.

Que outras comunidades ainda caçam baleias?

As comunidades no Alasca, nas ilhas São Vicente e Granadinas (nas Caraíbas) e os povos indígenas na Rússia estão autorizados a caçar baleias. Têm quotas. Na última reunião da Comissão Baleeira Internacional, em Setembro no Brasil, foi encontrado um mecanismo mais fluido, que estipula um conjunto de regras para definir as quantidades anuais que podem ser caçadas devido à importância cultural e de subsistência da caça à baleia nessas comunidades. Essa definição das quotas é acompanhada e permitida só após a avaliação do comité científico da Comissão Baleeira Internacional. Há uma avaliação científica das baleias disponíveis e é determinado um número máximo que se pode caçar sem afectar a sustentabilidade dos stocks.

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