Marcelo veta diploma do Governo sobre o tempo de serviço dos professores

Presidente da República diz que executivo está obrigado a voltar à mesa das negociações porque é isso que está consignado no Orçamento do Estado para 2019. Este é o 11.º veto de Marcelo e o terceiro a ser dirigido a um diploma do Governo. O gabinete de António Costa já lamentou a decisão.

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Marcelo Rebelo de Sousa LUSA/TIAGO PETINGA

O Presidente da República vetou, nesta quarta-feira, o diploma do Governo que apenas previa a contabilização de cerca de três dos mais de nove anos em que o tempo de serviço dos professores esteve congelado. Para Marcelo Rebelo de Sousa, o executivo está obrigado a cumprir o que se encontra determinado no Orçamento do Estado (OE) para 2019 e abrir, assim, novas negociações com os sindicatos de professores.

O veto presidencial a um diploma do Governo é absoluto. Ou seja, o executivo é obrigado a deixá-lo cair ou a introduzir as alterações propostas pelo Presidente da República, que neste caso não foram apresentadas.

Numa nota enviada à comunicação social pelo gabinete do primeiro-ministro, o Governo fez saber que “lamenta o facto de os educadores e os professores dos ensinos básico e secundário não poderem ver contabilizados já a partir de 1 de Janeiro de 2019 os dois anos, nove meses e 18 dias”, de tempo de serviço congelado. E anuncia que “aguardará assim a entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2019 para iniciar um novo processo negocial com as estruturas sindicais representativas dos educadores e dos professores dos ensinos básico e secundário”.

Se o diploma tivesse sido promulgado por Marcelo, no próximo ano apenas 1116 professores dos cerca de cem mil que estão no quadro teriam um aumento salarial por via da contabilização do seu tempo de serviço.

Marcelo justificou o veto com o facto de a matéria que consta do diploma do Governo (a recuperação do tempo de serviço congelado) dever ser “objecto de processo negocial” com os sindicatos, conforme determina a Lei do Orçamento do Estado para 2019. Por essa razão, o Presidente decidiu remeter este decreto-lei, “sem promulgação, para que a partir de 1 de Janeiro de 2019 “seja dado efectivo cumprimento ao disposto no artigo 17.º” do novo OE.

Este artigo foi incluído no OE por proposta do PSD, que contou com os votos favoráveis de todos os outros partidos à excepção do PS. É igual a um que já constava no Orçamento do Estado para 2018 com o mesmo objectivo: obrigar o Governo a negociar a contabilização do tempo de serviço dos professores, um cenário que este inicialmente tinha excluído.

O processo negocial iniciou-se em Dezembro de 2017 e foi dado oficialmente por concluído em Setembro passado. Sem acordo. O Governo decidiu contudo voltar a chamar os sindicatos de professores depois de o Parlamento ter aprovado o OE para 2019. Aconteceu no início deste mês com o executivo a apresentar a sua proposta de sempre e a justificar este regresso à mesa negocial com a obrigação de negociar incluída no OE para 2019.

Marcelo avisou agora que esta alegação não pode ser tida em conta, porque estes "passos negociais foram dados antes da entrada em vigor" do novo orçamento, que só foi promulgado por Belém na semana passada. Este é o 11.º veto de Marcelo e o terceiro a ser dirigido a um diploma do Governo.  

O PS desvalorizou o veto do Presidente da República, afirmando que este “só toca numa questão formal”. Em declarações à Lusa, o deputado e dirigente socialista Porfírio Silva salientou que o Governo concretizou “a tempo e horas” o descongelamento das carreiras previsto no seu programa e que a questão da recuperação do tempo de serviços dos professores não estava “nem no programa de Governo, nem nos acordos à esquerda”.

“Sempre foi a via negocial entre Governo e sindicatos que nós defendemos para encontrar uma saída para a questão da recuperação do tempo de serviço. Aquilo que o senhor Presidente da República vem dizer, agora quando devolve o diploma ao Governo, no fundo só toca numa questão formal e que é: têm de negociar depois da entrada em vigor do Orçamento do Estado”, considerou.

"Governo na ordem"

Em declarações transmitidas pela TVI, o líder do PSD, Rui Rio, aplaudiu a decisão.“Cumpre-me dizer que estou totalmente de acordo com aquilo que o senhor Presidente da República determinou. Acho que determinou o mais lógico, é aquilo que justamente está aprovado pela Assembleia da República", disse, para deixar depois um desafio a António Costa: "Se, por exemplo, na Madeira — onde o Governo Regional é do PSD — ou nos Açores — onde o Governo Regional é do Partido Socialista — conseguiram fazer uma negociação a contento entre os professores e o Governo, aqui em Portugal o Governo da República também tem a obrigação de o conseguir.”

O Presidente da República "pôs o Governo na ordem, ignorando o simulacro negocial que este fez há menos de duas semanas", comentou entretanto a deputada do CDS Ana Rita Bessa, frisando que está agora "totalmente do lado" do executivo a responsabilidade de encontrar uma solução que seja "sustentável financeiramente e que promova o entendimento".

Também o Bloco de Esquerda e o PCP já aplaudiram a decisão do Marcelo. Em declarações à SIC, a deputada do BE Joana Mortágua disse que foi aberta agora "uma nova oportunidade de negociação", competindo ao Governo adoptar desta vez uma "postura séria". "Se foi possível chegar a bom porto nas negociações nos Açores e na Madeira, também o será aqui", considerou a dirigente bloquista, insistindo que a base para qualquer negociação terá de ser a da recuperação integral do tempo de serviço que esteve congelado.

No início do mês, num encontro com Marcelo Rebelo de Sousa, a líder do BE, Catarina Martins, tinha indicado que o seu partido não se oporia ao diploma do Governo. “Do nosso ponto de vista, o que teria sentido era o Governo avançar já com a parte do descongelamento que já tinha previsto para 2019, não há razão nenhuma para que não o faça. O que não se pode é encerrar o descongelamento só com estes dois anos [nove meses e 18 dias], tem de depois fazer o faseamento nos anos seguintes, como os sindicatos já aceitaram”

O deputado do PCP António Filipe insistiu que, para cumprir o que está consagrado no OE, conforme determinado também por Marcelo, as negociações terão apenas de incidir "sobre o prazo e o modo em que se fará a recuperação", já que a sua contagem integral está garantida pela Lei do Orçamento do Estado para 2019, como também estaria no de 2018.

Só que a sua redacção, que voltou agora a ser reproduzida, deu azo a várias interpretações, numa disputa que se prolongou até agora: o Governo sempre defendeu que o estipulado no OE de 2018 não implica a contagem integral de todo o tempo de serviço que esteve congelado. Daí ter aprovado a recuperação de apenas cerca de três anos dos mais de nove em que as carreiras estiveram congeladas (2005-2007 e 2011-2017). E os sindicatos e os partidos à esquerda do PS sempre insistiram que o que ficou consagrado no OE de 2018 não deixa margens para dúvidas de que só o modo e o prazo para a recuperação estariam em negociação.

Cumprir o Orçamento

Para o líder da Federação Nacional da Educação, João Dias da Silva, a Assembleia da República não deixou agora dúvidas de que são apenas estas as componentes que têm de ser objecto de negociação. "Ao ter de repetir a norma no OE para 2019, o Parlamento foi claro no entendimento que o Governo não a cumpriu durante este ano", disse ao PÚBLICO. E por isso, acrescentou, a instrução que a AR deu ao executivo não deixa margem para dúvidas: o que tem de ser negociado é o prazo e o modo da recuperação.

E se o Governo apresentar a mesma proposta? "Estará a mostrar uma desconsideração total pelo Parlamento, correndo o risco de ficar ainda mais isolado do que já está", respondeu Dias da Silva.

"No dia 3 de Janeiro, os docentes vão estar à porta do Ministério da Educação para dizer ao Governo: estamos aqui para iniciar essa negociação", confirmou à Lusa o líder da Federação Nacional de Professores, Mário Nogueira. Para o sindicalista, o veto de Marcelo "é absolutamente adequado e é a decisão correcta porque aquilo que o decreto-lei traduzia era uma ilegalidade" e "uma violação da lei do Orçamento do Estado para 2018, que mandava apenas negociar o prazo e o modo de recuperar todo o tempo de serviço e não, como o Governo fez, apagar seis anos e meio de tempo de serviço", afirmou.

"No limite do esforço financeiro"

A questão da contabilização do tempo de serviço congelado para efeitos de progressão na carreira tem estado no centro de uma disputa entre Governo e professores que se arrasta há mais de um ano, sem que qualquer das partes tenha mudado a sua posição. Os sindicatos têm insistido que não aceitarão outra solução que não seja a contabilização dos nove anos, quatro meses e dois dias em que o tempo de serviço esteve congelado. E o Governo não abdicou da proposta que apresentou no final de Fevereiro passado, com vista à recuperação de apenas dois anos, nove meses e 18 dias.

A versão do diploma que seguiu para Belém foi aprovada pelo Governo a 20 de Dezembro passado. Na altura, o ministro da Educação frisou, em conferência de imprensa, que a recuperação de dois anos, nove meses e 18 dias está “no limite do esforço financeiro que o país pode fazer”.

Segundo o Governo, esta solução “permite mitigar os efeitos” do tempo em que as carreiras estiveram congeladas (mais de nove anos), “sem comprometer a sustentabilidade orçamental”.

A versão inicial deste diploma foi aprovada pelo Governo no princípio de Outubro, tendo recebido depois os pareceres negativos das Assembleias Legislativas Regionais de Açores e Madeira. Tanto numa região como noutra os professores vão ver contabilizado todo o tempo de serviço prestado durante o período de congelamento das carreiras.

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