Contratos a termo, a nova realidade do mercado de trabalho português?

Dez anos depois da crise, o mercado de trabalho português é uma ferida ainda aberta.

A OCDE prevê um abrandamento económico global, explicando que este ciclo de expansão já atingiu o limite. Em Portugal, prevê-se um crescimento de 2,1% em 2019 e 1,9% em 2020, depois de um crescimento de 2,2% este ano. Contudo, o desemprego vai continuar a baixar, e depois de uma média anual de 7,1%, prevê-se ser de 6,4% em 2019 e 5,7% em 2020. O aumento do emprego é um dos principais objetivos 2020 da União Europeia e, em 2017, 73,4% dos portugueses entre os 20 e os 64 anos já estava empregado, cada vez mais perto da meta dos 75%. Mas a descida do desemprego em Portugal esconde uma realidade de precariedade, que afeta principalmente os jovens e as mulheres.

Em 2008, a taxa de emprego na Europa foi de 70,3%, superior ao ano precedente, mas começou a descer até atingir 68,4% em 2013, afetando principalmente os grupos etários entre os 15 e os 24 anos, homens, trabalhadores temporários e imigrantes. A crise do subprime sentiu-se mais nos países onde a legislação de proteção do emprego era mais forte, nomeadamente nos países “sob stress” [1]. Verificava-se na Europa uma “dualidade” nessa legislação, caracterizada por maior fragilidade dos contratos temporários. Um estudo conduzido pelo BCE mostrou que políticas laborais implementadas principalmente nos países sob stress entre 2011 e 2013 facilitaram os despedimentos e flexibilizaram os horários de trabalho. No caso português, foram aplicadas medidas como a redução da indemnização em situações de despedimentos, assim como a diminuição dos salários.

Entre dezembro de 2014 e dezembro de 2015, em Portugal, os contratos a termo cresceram 6,66%, contra um aumento de apenas 2,08% nos contratos permanentes, criando uma maior instabilidade e aumentando a probabilidade de cair no desemprego. Em 2017, segundo o Eurostat, 18,5% dos trabalhadores dos 20 aos 64 anos estavam em situação de contrato a termo, bastante acima da média dos 11,3% e 12,7% da UE e da Zona Euro, respetivamente.

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Contudo, em 2006, antes da crise, este número já era de 15,7% no nosso país. De facto, segundo o INE, a proporção de contratos a termo já tinha aumentado 5,5 pontos percentuais entre 1998 e 2008. Recorde-se que esse tipo de contrato tinha sido flexibilizado em 2003 no Código de Trabalho através do prolongamento do seu limite temporal, mas a revisão feita em 2009 reverteu essa alteração. Os trabalhadores com contrato a termo foram também os mais afetados do ponto de vista salarial e, por isso, são mais expostos ao risco de pobreza, representando o seu salário hoje apenas 72% do daqueles em situação de contrato permanente, segundo o Observatório das Desigualdades. A crise de 2008 revelou, assim, a vulnerabilidade dos trabalhadores com contratos a termo, mas a recuperação económica não foi acompanhada por uma descida da precariedade laboral. É certo que as políticas implementadas foram uma das causas, mas o Observatório das Crises apontou que a dinamização económica, que afetou principalmente serviços ligados ao turismo caracterizados por menores níveis de qualificação, também contribuiu para a já apontada flexibilização do mercado de trabalho.

Os jovens têm sido particularmente afetados, revelando o Eurostat que, em 2017, enquanto que a média europeia era de 41,3%, 63,2% dos trabalhadores portugueses entre os 15 e os 24 anos estava em situação de contrato a termo. Também as mulheres mostram níveis de precariedade contratual elevada, até porque são mais expostas ao trabalho a tempo parcial. Em 2017, Portugal é o sétimo país europeu com mais trabalho a tempo parcial involuntário, constituindo 47,5% do total dos empregados a tempo parcial.

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Mais uma vez, a subida do emprego não foi acompanhada por medidas que assegurassem a sua qualidade e respondessem adequadamente à oferta de trabalho existente.

É verdade que os contratos a termo constituem um instrumento da vida empresarial, principalmente na fase inicial mas não só, necessários para eventos tão simples como a substituição de um trabalhador ausente ou no caso de um acréscimo excepcional das atividades, e portanto não deixam de ter um papel importante na nossa economia. Mas é igualmente fundamental que o uso dos mesmos responda sempre às necessidades da empresa. Os contratos não permanentes também podem ser uma solução ao desemprego de longa duração, mas que será sempre temporária, não devendo ser renovada vezes sem conta.

Dez anos depois da crise, o mercado de trabalho português é uma ferida ainda aberta. O perfil contratual do emprego é uma das causas da precariedade, que deixa muitos portugueses empregados numa situação de grande insegurança e vulnerabilidade aos choques económicos. É certo que já se deram alguns passos com vista a melhorar o emprego, nomeadamente no combate à utilização indevida de contratos de prestações de serviços, mas o abrandamento do crescimento que se prevê nos próximos anos exige medidas eficazes, de criação de trabalho menos precário, para resolver um problema com que o país já se confronta há duas décadas.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

[1] Países sob stress: a Grécia, a Irlanda, a Eslovénia, Itália, o Chipre, Portugal e Espanha.

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