Se ninguém der o braço a torcer, este shutdown será tão longo como a fronteira com o México

O duelo entre o Presidente Trump e o Partido Democrata sobre a construção do muro empurra os EUA para mais uma paralisação do Governo. E, desta vez, alguém terá de aceitar uma derrota pesada para que o problema seja resolvido.

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O Presidente Donald Trump exige verbas para o início da construção do muro Reuters/JIM YOUNG

É pouco provável que o Senado norte-americano chegue a acordo sobre uma proposta de última hora, esta sexta-feira, que evitaria uma paralisação de vários departamentos do Governo norte-americano, mas que ao mesmo tempo daria quase seis mil milhões de dólares para o início da construção de um muro na fronteira com o México. Se nada mudar nas próximas horas, milhares de funcionários de parques nacionais, museus ou monumentos vão ser enviados para casa, sem vencimento, até que uma das partes – ou o Presidente ou o Partido Democrata – aceite recuar numa das lutas mais simbólicas da eleição de Donald Trump.

Há pouco mais de uma semana, durante uma reunião tensa, na Casa Branca, com os líderes do Partido Democrata no Congresso norte-americano, o Presidente Trump fez uma promessa que nenhum dos seus antecessores arriscou fazer em público: assumir a responsabilidade pela paralisação de vários departamentos do Governo, empurrando centenas de milhares de funcionários públicos para uma licença sem vencimento, na época de Natal, arriscando-se a ser ainda mais punido nas sondagens.

Se os congressistas não lhe dessem quase seis mil milhões de dólares para o início da construção de um muro na fronteira com o México, então os orçamentos que mantêm em funcionamento muitos dos serviços prestados aos cidadãos ficariam na gaveta da secretária presidencial, à espera que o Partido Democrata mudasse de ideias – em resumo, é isto que está em causa quando se fala de um shutdown no Governo norte-americano.

As palavras exactas que o Presidente Trump atirou na direcção do líder dos democratas no Senado, Chuck Schumer, foram ouvidas em directo por milhões de espectadores e ficaram gravadas para a posteridade: "Aceito vestir o manto do shutdown e não vou culpar-vos por isso. Vou paralisar [o Governo] para lutar por mais segurança na fronteira."

Na quinta-feira, dez dias depois daquela reunião tensa na Casa Branca, o Presidente Trump pegou na sua promessa e fê-la girar 180 graus: "Agora, a responsabilidade pelo shutdown é dos democratas!"

O que aconteceu por estes dias, entre duas declarações tão taxativas como contraditórias, é a história de um Presidente que se viu obrigado pelos seus apoiantes a lutar pela sua promessa mais emblemática, e de um Partido Democrata decidido a manter-se firme na oposição à construção de um muro na fronteira com o México – tudo isto quando faltam apenas duas semanas para que os democratas passem a estar em maioria na Câmara dos Representantes, fechando ainda mais as portas ao sonho dos apoiantes de Trump.

Milhares sem salário

Se ninguém der o braço a torcer até às 24h desta sexta-feira (05h de sábado em Portugal continental), 25% dos serviços federais ficarão paralisados a partir de sábado (as verbas de 75% já foram aprovadas).

Ninguém sabe ao certo se todos os departamentos que precisam de novas verbas serão forçados a encerrar e a enviar os funcionários para casa. Se as paralisações anteriores servirem de exemplo, é provável que parques nacionais, museus e monumentos, e serviços como inspecções alimentares e emissão de passaportes, sejam afectados – deixando centenas de milhares de funcionários em casa, ou forçando a trabalhar os que forem considerados essenciais, sem serem pagos.

Não há nenhuma lei que garanta o salário aos trabalhadores afectados por um shutdown, mas o Congresso costuma autorizar o pagamento dos dias quando a situação regressa à normalidade.

O facto de o Congresso ter vindo a aprovar verbas em pequenas fatias ao longo dos últimos meses fez com que o impacto de um novo shutdown seja, à partida, menor do que os do passado. Áreas como as Forças Armadas, o controlo das fronteiras e a aviação comercial estão, por lei, mais resguardadas das consequências de um shutdown, e departamentos sensíveis, como os que cuidam dos veteranos de guerra e das pessoas com direito a apoio alimentar, já têm verbas para enfrentarem o primeiro embate de uma paralisação.

Tudo ou nada

A grande questão deste shutdown é que o assunto que o motiva é tão emblemático para as duas partes – o Presidente Trump e o Partido Democrata – que ninguém percebe como será resolvido sem que uma das partes saia claramente derrotada.

Depois do confronto em directo entre o Presidente e os líderes democratas, na semana passada, a Casa Branca deu sinais de que poderia aceitar um compromisso: Trump aceitava uma proposta temporária do Senado que desbloqueava verbas, sem os tais seis mil milhões para a construção do muro, e a questão voltaria a ser discutida até 8 de Fevereiro, a nova data para a aprovação definitiva dos orçamentos.

Mas quando o sector mais conservador do Partido Republicano soube que isso poderia acontecer, Trump começou a ser atacado pelos seus apoiantes. A comentadora política Ann Coulter, que escreveu um livro intitulado In Trump We Trust ("Em Trump confiamos") e que chegou a chamar ao Presidente um "Deus imperador", foi implacável no texto que publicou no seu site na quarta-feira: "Um Presidente sem coragem num país sem muro."

Por isso, quando o Partido Republicano e o Partido Democrata se uniram, no Senado, para aprovarem a tal proposta de compromisso, na noite de quarta-feira, o sector mais conservador dos republicanos na Câmara dos Representantes virou tudo do avesso. Em vez de aprovar a proposta do Senado – que evitaria um shutdown –, a maioria republicano na Câmara dos Representantes aprovou outra: as verbas federais seriam desbloqueadas, mas com um anexo que dava ao Presidente os quase seis mil milhões de dólares para o início da construção do muro.

Depois desta votação, os senadores tiveram de regressar a Washington, de onde já tinham saído para as férias de Natal, para votarem outra vez. Mas o nó cego continua. Só se as duas câmaras do Congresso aprovarem a mesma proposta, que tem de ser depois ratificada pelo Presidente, é que haverá uma saída deste impasse. 

Mas para que a nova proposta da Câmara dos Representantes seja aceite, é preciso que pelo menos 60 senadores a aprovem – um cenário irrealista, porque o Partido Republicano tem apenas 51 senadores e ninguém no Partido Democrata quer aprovar uma proposta com verbas para a construção de um muro. "É matematicamente impossível que isso aconteça", comentou o senador republicano Bob Corker.

É por isso que o Presidente Trump fez girar 180 graus a promessa feita na semana passada. Afinal, interessa-lhe agora transmitir a mensagem de que a bola passou para o outro lado: "Os democratas, de cujos votos precisamos no Senado, vão provavelmente votar contra a segurança na fronteira e o muro (…) Se votarem contra, haverá um shutdown durante muito tempo", disse Trump.

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