Paulo Branco vai deixar o Monumental, mas o Monumental não quer deixar de ser cinema

Centro Comercial Monumental vai entrar em obras em 2019, refazendo até a fachada, e reabre com a intenção de manter a exibição de cinema — mas já não com a Medeia Filmes. Exibidora vai ter Sessões Monumental aos fins-de-semana até início das obras.

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AD ANGELA ANDRADE

O cinema Monumental vai entrar em obras em 2019 e deixar de ser explorado pela Medeia Filmes, suspendendo a partir de Fevereiro a exibição comercial de cinema — mas manterá, até à remodelação profunda do edifício numa das artérias nobres de Lisboa, sessões semanais programadas pela exibidora e distribuidora de Paulo Branco. O anúncio foi feito esta sexta-feira pelo produtor, com fonte do proprietário do edifício do Monumental a confirmar que, findas as obras, se manterá ali a existência de cinemas.

O anúncio surge depois de semanas de rumores sobre o fim do cinema Monumental, mas também quanto às possíveis intenções dos proprietários do edifício em repensar a sua actividade.

A MP Properties, detida pela Merlin, a imobiliária espanhola dona desde 2016 do edifício ocupado pelo Centro Comercial Dolce Vita Monumental gerido pela Inogi, planeia obras no valor de 20 milhões de euros para a estrutura, que vão refazer a sua fachada e manter depois de um ano de trabalhos as valências de lojas, escritórios e espaço para cinema. As obras devem começar no segundo semestre de 2019. A mesma fonte avançou que terá de ser encontrado um novo exibidor para explorar o espaço – composto actualmente por quatro salas, uma das quais o Cineteatro de 378 lugares.

Foi ali que Paulo Branco adiantou que até 20 de Fevereiro vai manter a actividade normal da Medeia nos cinemas, encerrando esse ciclo com uma homenagem ao cineasta João César Monteiro. Depois, “as coisas quando acabam, acabam”, respondeu ao PÚBLICO sobre se voltaria após as obras a gerir o Monumental. “Não está contemplada da minha parte qualquer volta”, frisou sobre os cerca de 4 mil m2 que estão até agora a exibir filmes como Roma, de Alfonso Cuarón, e que programa desde 1993. O futuro da actividade de exibição da Medeia em Lisboa continuará no Nimas e, sugeriu Paulo Branco, “há muitas surpresas” que o futuro pode trazer sobre novos espaços onde programar cinema.

Segundo Paulo Branco, a decisão já se perfilava “há algum tempo” e foi tomada por “ambas as partes”, “no interesse de ambas”. Agora, firma-se que “o último dia de actividade normal no Cinema Monumental será a 20 de Fevereiro”, com a homenagem a César Monteiro, e depois só o Cineteatro acolherá as Sessões Monumental, ao fim-de-semana “até à reestruturação completa do prédio”.

Na origem da decisão, além de a Inogi e a MP Properties considerarem que o edifício estava já depauperado, está o contexto. “Há uma conjuntura económica que faz com que a rentabilidade não se coadune com uma actividade” como a cinematográfica, disse o produtor, bem como “a quebra dramática do número de espectadores” dos últimos anos. Em termos de renda, os proprietários do espaço deram-lhe “condições de excepção durante anos”. “[Porém,] não era economicamente viável continuarmos”, observou. Continuar a explorar o Monumental, diz Paulo Branco, “era absolutamente incomportável”.

O exibidor diz que quer “continuar a mostrar a diversidade das cinematografias que existem no mundo”, como faz há 30 anos na Medeia Filmes, e garante que “o Nimas vai continuar, reforçado”. A situação levou ao fim de contrato de quatro trabalhadores e os restantes cinco vão continuar afectos ao Nimas e às sessões no Monumental.

Cinema resistente do Saldanha

A intenção manifestada pelos proprietários do imóvel de manter um espaço na zona comercial dedicada ao cinema coloca assim em suspenso um dos temores que as mudanças que se anunciavam no Monumental deixavam em aberto: o fim de mais um cinema no centro de Lisboa e de um cinema de programação independente.

Quando está em cima da mesa a demolição ou reafectação de um recinto de exibição cinematográfica para outros fins, o Artigo 14.º do Decreto-lei 23/2014 mantém uma regra com décadas em Portugal: isso “depende de autorização do membro do Governo responsável pela área da cultura, a ser obtida directamente pelo interessado ou pela entidade a quem competir o controlo prévio da operação urbanística”.

O inspector-geral das Actividades Culturais, Luís Botelho, reiterou ao PÚBLICO, por email, que de facto “a IGAC [Inspecção-Geral das Actividades Culturais] não foi até ao momento chamada a pronunciar-se sobre pedido” nesse sentido.

Entre 2019 e 2020 decorrerá assim mais um hiato na exibição de cinema no Saldanha lisboeta. Há 67 anos que a Praça do Saldanha não sabe o que não é ter um cinema. O primeiro hiato durou quase uma década, quando foi demolido o imponente cineteatro original, datado de 1951, e que foi abaixo em 1984. O actual edifício é já uma versão distante da glória da sua primeira encarnação, decorada com lustres, mármores e uma gigantesca sala de cinema de 2710 lugares. O Monumental é o cinema resistente do Saldanha depois de Paulo Branco ter fechado as salas do Saldanha Residence, no quarteirão abaixo, e de os seus sucessores, os @Cinema, terem apenas funcionado três anos.

Para Paulo Branco, histórico produtor, distribuidor e exibidor de cinema de autor português, é mais um recinto que geriu durante décadas que vê mudar de mãos. Há cinco anos foram as salas do Cinema King (1990-2013), à Avenida de Roma e onde funcionava antes o cinema Vox, a encerrar devido ao valor da sua renda. Dois anos depois, as salas do Centro Comercial Fonte Nova, em Benfica, também faziam as últimas sessões. Em Lisboa, resta à Medeia — e bem perto do Saldanha, na Avenida de 5 de Outubro —, o Cinema Nimas, onde tem feito programação especial e temática, mas onde há dias já constava online uma nova programação, com exibição comercial regular de cinema em estreia. A Lisboa resta, no âmbito dos cinemas independentes, o Cinema Ideal, no Bairro Alto.

A capital perdeu nos últimos anos, além dos cinemas da Medeia e da @Cinema, o histórico Londres, na Avenida de Roma, que era gerido pela Socorama, que pediu insolvência em 2013 e motivou uma transformação mais célere e profunda no mercado de exibição a nível nacional: fechou mais de cem salas, deixando algumas cidades e distritos sem exibição comercial regular de cinema, e permitiu a entrada de um novo operador, a brasileira Orient Cineplace, que no final de 2017 era a segunda maior exibidora em Portugal. Tal como no resto do país, a oferta tende a concentrar-se cada vez mais nos multiplexes.

A Medeia Filmes tem ainda programação, fora de Lisboa, no Cine Estúdio Teatro do Campo Alegre, no Porto — onde em 2010 encerraram também os Cinemas Cidade do Porto —, no Auditório Charlot, em Setúbal, no Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz, no Theatro Circo de Braga e no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra.

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