O que deve conter a nova Lei de Bases da Saúde

Considero que a nova Lei de Bases da Saúde ganhará se estender o âmbito do objeto do direito à proteção da saúde a estas três entidades – pessoas, famílias e comunidades.

Acaba de ser conhecida a proposta da nova Lei de Bases da Saúde. Trata-se de um texto elaborado por um grupo de trabalho de reconhecido mérito na área da saúde, liderado por Maria de Belém Roseira, cujos contributos para a regulação e a governação do sistema de saúde é do reconhecimento de todos.

A Lei de Bases da Saúde constitui-se como um principal instrumento jurídico de regulação do sistema de saúde português, com aplicação no continente e nas ilhas. É uma lei definidora de princípios que alicerçam a política de saúde, a que devem obedecer os diferentes instrumentos legais e regulamentares, desde os Decretos-leis do governo até aos normativos da Direção-Geral da Saúde.

Em simultâneo, é uma lei que está sujeita a uma forte regulação superior, uma vez que tem como propósito jurídico densificar os princípios estabelecidos no Direito Constitucional da Saúde enunciado no artigo 64.º da Constituição. A Lei de Bases da Saúde encontra-se assim a meio caminho entre a escolha política do Governo e da Assembleia da República, e o regime jurídico da consagração do direito à proteção da saúde estabelecido na Constituição.

De todo o modo, a nova Lei de Bases pode constituir-se como um instrumento inovador, se conseguir apropriar os ditames da atualidade científica, ética e cultural.

Um destes ditames, é o conteúdo do objeto do direito à proteção da saúde. O n.º 1 do artigo 64.º da Constituição refere que este se destina a “todos”, sem especificar em concreto. A Lei de Bases da Saúde em vigor (Lei n.º 48/90 de 24 de agosto), densifica este direito referindo-se a “indivíduos” e a “comunidade”. O direito à proteção da saúde encontra-se assim atualmente atribuído às pessoas, individualmente consideradas e às comunidades, enquanto grupos de pessoas que se relacionam num determinado contexto sociocultural ou profissional.

Na atualidade, para além da pessoa e da comunidade, a família emerge como um grupo cada mais individualizado pelas ciências da saúde. Nestes termos, considero que a nova Lei de Bases da Saúde ganhará se estender o âmbito do objeto do direito à proteção da saúde a estas três entidades – pessoas, famílias e comunidades – promovendo assim o alargamento da resposta em saúde, no sentido das reais necessidades da sociedade atual.

Ao nível das profissões da saúde, a nova Lei de Bases poderá igualmente inovar na consagração dos princípios que enformem os seus quadros reguladores, criando regimes jurídicos claros quanto à realidade atual. Por exemplo, a necessidade da formação médica em emergência no sentido da promoção da atividade assistencial neste contexto específico; o reconhecimento do ensino de enfermagem como universitário que suporte a intervenção destes profissionais nos ambientes de decisão complexa e multidisciplinar onde se encontram; a autorregulação de algumas áreas profissionais da saúde, no respeito pelo seu desenvolvimento científico e profissional; a regulação das novas profissões da saúde, exigindo iguais padrões de base científica a todas.

Ou seja, é necessário que a nova Lei de Bases da Saúde dê um contributo sério para a atualização da regulação do sistema, abrangendo a maior amplitude possível deste regime-base. Assim, a Lei de Bases da Saúde cumprirá integralmente o seu desígnio de enquadrar a atividade assistencial em saúde, no respeito pelos princípios constitucionais estabelecidos, numa resposta de atualização científica e ética à realidade social do tempo presente. Oxalá, as senhoras e os senhores deputados se inspirem, na melhoria do texto jurídico agora proposto.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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