PSD de Rio ficou só contra a ministra, a procuradora, Marques Mendes e o PS

Direcção do partido acusa Marques Mendes de falta de ética, por ter dito que Rio é igual a Sócrates no desejo de controlar a justiça. Procuradora Lucília Gago ameaça demitir-se, se mudar a composição do Conselho Superior do Ministério Público.

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Rui Rio defende conselhos superiores da justiça devem ser compostos por uma maioria de membros independentes LUSA/FERNANDO VELUDO

No dia em que a procuradora-geral da República sugeriu que se demitirá se os magistrados perderem a maioria no Conselho Superior do Ministério Público, e em que a ministra da Justiça, que introduziu a questão na agenda, deu o assunto por encerrado, o PSD de Rui Rio deixou bem claro que não se importa de ficar sozinho na defesa da ideia de que se deve evitar o autogoverno das magistraturas.

E à boleia da polémica da composição do CSMP assumiu uma ruptura violenta com o ex-líder do partido e comentador Luís Marques Mendes, que no seu espaço de opinião dominical na SIC-Notícias, afirmou que Rio é igual a Sócrates no desejo de controlar a justiça.

Em declarações ao PÚBLICO, Rui Rio fez nesta segunda-feira questão de vincar que a questão da composição do CSMP nem foi suscitada agora por si. “O tema está na agenda política, porque a senhora ministra apresentou na Assembleia da República uma proposta de lei para alterar o Estatuto do Ministério Público”, disse o líder do PSD, assumindo, contudo, que “sempre” defendeu alterações nesta matéria.

“Ando há mais de uma década a falar que os conselhos superiores da justiça devem ser compostos por uma maioria de membros independentes, oriundos da sociedade civil; em nome da transparência democrática e de uma fiscalização’ descorporativizada’. Tentar que se confunda isto com tutela política é um discurso populista, que visa aproveitar-se do desconhecimento das pessoas”, defendeu o social-democrata.

Num texto que assina nesta terça-feira no PÚBLICO, a porta-voz do Conselho Estratégico Nacional do PSD para a área da Justiça, a advogada Mónica Quintela, também se insurge contra quem, como o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, vê na intenção de acabar com a maioria de magistrados escolhidos pelos pares no CSMP uma tentativa de os controlar.

As declarações de Rio e o artigo de Mónica Quintela foram produzidos antes ainda de, a meio da tarde desta segunda-feira, na sessão de tomada de posse da nova procuradora-geral distrital de Coimbra, a procuradora-geral da República, Lucília Gago, ter abordado a questão. E com estrondo, com uma ameaça de demissão pouco subtil.

“Qualquer alteração relativa à composição do Conselho Superior do Ministério Público que afecte o seu actual desenho legal, designadamente apontando para uma maioria de membros não-magistrados, tem associada grave violação do princípio da autonomia”, afirmou Lucília Gago no discurso que levou a Coimbra. E acrescentou que qualquer mudança nesse sentido representaria uma “radical alteração dos pressupostos que determinaram” a aceitação que fez do cargo de procuradora-geral da República.

A composição do CSMP entrou para agenda política há cerca de duas semanas. Numa altura em que o Parlamento discutia uma proposta de alteração ao Estatuto do Ministério Público, apresentada, em nome do Governo, pela ministra da Justiça, Francisca Van Dunen, o deputado do PS, Jorge Lacão, defendeu a necessidade de alterar “os critérios de representação no Conselho Superior do Ministério Público”. E criticou a ministra por a proposta de estatuto apresentada manter o equilíbrio de forças vigentes no CSMP: 12 procuradores e sete não magistrados.

Jorge Lacão foi, no entanto, desautorizado pelo PS. O deputado Filipe Neto Brandão, vice-presidente da bancada socialista, esclareceu a posição do seu partido. “Os órgãos de gestão das magistraturas não devem ter uma maioria de não-magistrados. Como tal, o grupo parlamentar do PS nunca propôs (nem proporá ou secundará) qualquer proposta que vise colocar os magistrados em minoria no CSMP”, reafirmou o deputado ao PÚBLICO, acrescentando que “o princípio da autonomia do MP é um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático”.

E nesta segunda-feira também a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, garantiu que eventuais alterações à composição do CSMP passaram a ser “uma não questão” e que “está tudo esclarecido”. À tarde, na cerimónia de entrega dos prémios do concurso “77 Palavras Contra a Discriminação Racial”, em Lisboa, a ministra reiterou que “não é intenção do Governo, nem faz parte do programa do executivo, fazer qualquer alteração” ao CSMP.

“A partir do momento em que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista esclareceu o sentido da intervenção do deputado Jorge Lacão naquela interpelação parlamentar, que basicamente foi um elencar de questões e não propriamente uma lógica de avançar nesse sentido, nós temos aqui uma não questão”, comentou a governante”.

Recorde-se que também Joana Marques Vidal, a antecessora de Lucília Gago na Procuradoria-Geral da República, declarara na sexta-feira que alterar a composição do CSMP, o órgão de tutela dos procuradores, tornando maioritários os membros indicados pelo poder político, poderá pôr em causa a independência dos tribunais.

As declarações iniciais de Jorge Lacão e o apoio que mereceram por parte do PSD suscitaram fortes críticas por parte do presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), António Ventinhas, que ameaçou já com a marcação de uma greve em Fevereiro, ainda em moldes a discutir.

À noite, na SIC-Notícias, o vice-presidente do PSD, David Justino, criticou duramente Marques Mendes e a posição assumida por Lucília Gago, acusando-a de ter feito uma “pressão quase inqualificável sobre um órgão de soberania eleito pelos portugueses, que é a Assembleia da República”. E recordou que existe uma maioria de não-magistrados no Conselho Superior de Magistratura e noutros órgãos congéneres do CSMP na Europa.

David Justino admitiu que a posição que o PS acabou por assumir obriga os sociais-democratas a reavaliar, com “realismo”, se há condições para avançar com propostas sobre o CSMP, que já se sabe que não prevalecerão. Mas sublinhou que não será por sozinho que o PSD alterará as convicções.

A polémica com Marques Mendes

No seu habitual comentário na SIC-Noticias, ao domingo à noite, Marques Mendes abordou o tema, visando o líder do seu partido ao afirmar que “as propostas do PSD - inicialmente com o apoio discreto do PS – que visam mudar a composição do CSMP têm na prática um objectivo: controlar a acção do Ministério Público”.

Mas Marques Mendes disse mais. Comparou mesmo Rui Rio a José Sócrates na vontade de controlar a justiça e a comunicação social. “Em Portugal há dois políticos iguais na vontade de controlar a justiça e a comunicação social: José Sócrates e Rui Rio. Nessa matéria, eles são verdadeiros irmãos siameses (…) Um e outro gostavam de poder dizer o que se investiga, como se investiga e quando se investiga”.

Sobre estas acusações, Rio não quis falar, mas não deixou de se referir a elas na sua conta oficial da rede social Twitter, onde rejeitou querer controlar o MP por defender “uma maioria de personalidades da sociedade civil” no seu conselho superior. “Andam por aí a agitar que quer controlar o Ministério Público, porque defendo que haja uma maioria de personalidades da sociedade civil nos eu conselho superior. Como no Conselho [Superior] da Magistratura já é assim, para essas mentes, se calhar, eu já controlo hoje a Magistratura Judicial”, acrescentou.

O vice-presidente do PSD, Salvador Malheiro, não perdeu tempo a reagir às declarações do comentador da estação de televisão. “Ao comparar Rui Rio a Sócrates, Luís Marques Mendes foi longe de mais! Que vergonha! O Luís Marques Mendes perdeu toda a credibilidade juntos dos portugueses," escreveu Salvador Malheiro, da direcção nacional do PSD.

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