Pai de menina morta desmente versão do serviço de fronteiras dos EUA

Jakelin fez a viagem porque “era muito difícil separá-la do pai”, conta o avô. Advogados questionam narrativa oficial e garantem que a criança de sete anos comeu e bebeu água até chegar à fronteira.

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Uma foto da menina nas mãos de uma mulher num protesto em El Paso Jose Luis Gonzalez/Reuters

Nery Gilberto Caal Cruz “assegurou que a filha era alimentada e tinha água suficiente” durante os 3200 km da viagem, lê-se num comunicado dos advogados que o representam divulgado pelo director do abrigo onde o guatemalteco se encontra desde a morte da filha, a 7 de Dezembro.

Os formulários onde se diria que ela vinha com fome e sede ao passar a fronteira, no dia 6, numa zona de deserto do Novo México, e que o pai terá assinado, são em inglês – os advogados consideram “inaceitável” que Caal Cruz tenha sido levado a assinar documentos num idioma que não fala. A primeira língua do pai de Jakelin Caal Maqui é q’eqchi, uma das línguas maias falada na Guatemala e no Belize.

“Ele tem sido muito claro e consistente, diz que a sua filha estava saudável e queria muito vir com ele”, afirmou numa conferência de imprensa o responsável pelo abrigo Anunciação, em El Paso, Texas, Ruben Garcia. O também fundador desta associação pede aos media que parem de especular sobre as causas da mortes e os contornos do caso, alvo de uma investigação interna aberta pelo Departamento de Segurança Interna.

De acordo com o que se sabe do relatório do Serviço de Fronteiras e Alfândega (CBP, na sigla inglesa), divulgado uma semana depois da morte e só na sequência de questões colocadas pelo jornal The Washington Post, as pessoas que a acompanhavam disseram que a criança não comia nem bebia água “há vários dias”. Jakelin e Caal Cruz, de 29 anos, chegaram aos EUA num grupo de 163 pessoas que se entregaram aos agentes.

Nenhuma criança

Esta é uma entre muitas mortes que acontecem na fronteira – pelo menos 412 pessoas foram encontradas mortas em 2017 –, mas uma de muito poucas à guarda do serviço de fronteiras. A imprensa americana escreve que não há registo de nenhuma criança que tenha morrido nestas condições.

Tanto o CBP como o Departamento de Segurança Interna desmentem qualquer responsabilidade no sucedido; a Casa Branca de Donald Trump também defende que as suas políticas não podem ser responsabilizadas e aponta o dedo ao pai e à decisão de viajar com a criança. Os activistas pelos direitos dos imigrantes defendem que o aumento das patrulhas às ordens de Trump empurrou os imigrantes para territórios mais remotos, tornando a passagem mais perigosa.

Sabe-se que os Caal Cruz foram detidos pelas 21h15 de 6 de Dezembro com o resto dos imigrantes. Os agentes não podiam levar todos ao mesmo tempo para o centro de detenção mais próximo, a 150 km, pelo que os dividiram e os primeiros saíram dali em autocarro pela meia-noite.

Pelas 4h, o autocarro voltou e chegou a vez de Jakelin e o pai fazerem a viagem – terá sido nessa altura, imediatamente antes ou depois de entrarem no autocarro, que Caal Cruz pediu ajuda porque a filha começou a vomitar. Faltava uma hora e meia de caminho e subia-lhe a febre.

Segundo disseram tanto o pai como os agentes a Tekandi Paniagua, cônsul da Guatemala em Del Río, Texas, a menina foi atendida “de imediato” pelos paramédicos da patrulha de fronteira. Chegou ao centro de detenção às 6h30 sem respirar e com uma temperatura corporal de 41 graus. Ainda foi assistida no local mas foi depois enviada por helicóptero para um hospital em El Paso, a 250 km, escreve o El País. O pai foi levado de carro e foi junto dele que Jakelin morreu, às 11h de dia 7, tinha tido já duas paragens cardíacas e sido reanimada.

Extrema pobreza

O Partido Democrata exige que o Departamento de Segurança Interna seja responsabilizado e os congressistas estranham que o comissário dos CBP, Kevin McAkeenan, não tenha referido esta morte na terça-feira, dia 11 de Dezembro, quando testemunhou no Comité Judicial do Senado, descrevendo as dificuldades que a sua agência enfrenta para gerir o grande número de famílias e crianças que chegam à fronteira.

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A mãe e os três irmãos de Jakelin, que se despediu deles a 1 de Dezembro Josue Decavele/Reuters

Em San Antonio de Cortéz, município de Raxruha, no Centro da Guatemala, ficou a mãe de Jakelin, Claudia Maqui, e os outros três filhos do casal. “O meu marido foi por causa da extrema pobreza em que vivemos”, contou à Reuters, com a sua bebé de seis meses ao colo. Os dois partiram no dia 1 de Dezembro; Jakelin cumpriu sete anos no dia 3.

“A rapariga gostava muito dele. Era muito difícil separá-los”, conta o avô paterno, Domingo, agricultor de 61 anos.

Depois da autópsia, o Governo da Guatemala pagará a repatriação do corpo de Jakelin para perto do resto da família. O pai terá de tomar a difícil decisão de a abandonar ou ficar nos EUA, onde em Janeiro poderá pedir asilo. Domingo espera que o filho fique e encontre trabalho.

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