Famílias pedem mais crédito para consumo e por prazos mais alargados

No primeiro semestre deste ano, a duração de 40% dos empréstimos para compra de automóveis ficou acima de oito anos, contra 15% em 2012.

Foto
Rui Gaudencio

As campanhas comerciais para a compra de bens e serviços com recurso a crédito estão por todo o lado. Incluem empréstimos sem juros, que em alguns casos estão apenas “escondidos”, ou a amortização em prestações mensais reduzidas, que podem começar em 20 euros, prolongando os contratos por vários anos, o que encarece, em muito, o seu custo final. Estão ainda associadas a ofertas de equipamentos ou de valores para gastar em determinados retalhistas, ou em apelo para transferir para a conta à ordem o plafond disponível nos cartões de crédito.

Os resultados estão aí: de Janeiro a Outubro, o montante total dos empréstimos aos consumidores superou os 6088 milhões de euros, mais 673 milhões de euros face a igual período do ano passado, e acima valores de 2007, o ano anterior à crise financeira internacional de 2008. No mês de Outubro, e face a Setembro, o crédito disparou 14,9%, para 639 milhões de euros.

Depois de uma ligeira oscilação no Verão, os valores voltaram a acelerar em Outubro, apesar da medida macroprudencial para o crédito, do Banco de Portugal (BdP), que pretende travar o endividamento excessivo das famílias e que entrou em vigor em Julho. E a época de Natal deverá, com grande probabilidade, manter o ritmo consumista com recurso a crédito, cuja média diária ascende a 20 milhões de euros.

Para além do forte crescimento no montante de crédito para a compra de automóveis, equipamentos, férias, e em menor valor para saúde ou educação, há outro sinal de preocupação, que é assinalado no Relatório de Estabilidade Financeira de Dezembro, do BdP. É que desde 2012, a par com o aumento do montante médio dos novos empréstimos, a duração dos contratos é cada vez maior. 

“No segmento para aquisição automóvel, que em termos de montante representa quase metade do fluxo anual de novos créditos aos consumidores, os contratos com maturidade superior a oito anos representaram cerca de 40% dos créditos contratados no primeiro semestre de 2018, o que compara com 15% em 2012”, lê-se no relatório. E, alerta o supervisor, “o alongamento do prazo médio contratual introduz maior rigidez no ritmo de redução do nível de dívida, num enquadramento em que o rácio de endividamento dos particulares, em percentagem do rendimento disponível, ainda é muito elevado”.

PÚBLICO -
Aumentar

O aumento do crédito a particulares, que também é elevado nos empréstimos para compra de casa, acontece num momento em que “é importante que o processo de redução do endividamento dos particulares prossiga, em particular num contexto de expectativas de abrandamento da actividade económica”, destaca o regulador.

O aumento do prazo médio permite a contratação de montantes mais elevados sem implicar maiores prestações. E permite ainda a contratação de vários empréstimos em simultâneo, o que, num cenário de desemprego ou de redução de rendimentos, agrava a probabilidade de incumprimento dos particulares, como aconteceu depois da crise financeira, que levou muitas famílias à insolvência, e fez disparar o crédito malparado dos bancos, vários dos quais necessitaram de ajuda pública.

O aumento da duração dos contratos está a acontecer em todos os segmentos de crédito aos consumidores, mas tem sido mais acentuado no automóvel, que representa cerca de metade do volume total. Para o conjunto dos contratos para compra de automóveis (novos e usados) a duração fixou-se, na primeira metade do ano, em sete anos, quando em 2017 estava em 6,7 anos, contra 6,3 anos de 2016. No mesmo período, o valor médio dos contratos subiu para 14.500 euros, o que compara com 13.500 em 2016. No crédito pessoal, a média dos contratos de Janeiro a Junho estão em 4,5 anos (4,4 em 2017 e 4,2 anos em 2016). E o valor médio supera os 6500 euros, quando em 2010 estava em 5000 euros.

O PÚBLICO pediu à ASFAC - a associação das instituições de crédito especializado dados sobre a evolução dos prazos dos contratos, mas a associação disse não ter esses dados disponíveis.

Novos endividados

O Relatório de Estabilidade Financeira de Dezembro revela que o novo crédito ao consumo está a ser concedido, em larga medida, a novos mutuários, não se registando um acréscimo de endividamento de famílias já com dívida. Isso contribui para o facto de no final do primeiro semestre de 2018, a dívida total dos particulares representar 104% do rendimento disponível, apenas 1 ponto percentual abaixo do valor observado no final de 2017.

Ou seja, a redução do “stock” de dívida dos particulares (incluindo habitação) não está a reduzir-se ao ritmo desejado, acentuando, assim, “a vulnerabilidade” dos particulares, em especial num contexto de "expectativas de abrandamento da actividade económica” e tendo em conta a reduzida taxa de poupança, destaca o regulador.

A ajudar ao crescimento do crédito concedido está o nível de confiança dos consumidores, que está “a aumentar para níveis historicamente elevados”, refere a instituição liderada por Carlos Costa, explicando que na base desse optimismo está o crescimento continuado da economia e a redução significativa do desemprego. Mas também a forte concorrência entre instituições financeiras, com destaque para as sociedades especializadas no crédito ao consumo, que estão a ganhar quota de mercado em relação à banca tradicional.

Apesar da maioria do crédito ao consumidor ser feito a taxas fixas, menos vulneráveis à subida da Euribor, estas taxas continuam em níveis elevados. E as taxas de juro dos novos créditos a conceder no primeiro trimestre de 2019 já serão mais altas, interrompendo as quedas que se verificavam nos últimos trimestres.

A medida macroprudencial do supervisor foi anunciada em Fevereiro, mas só entrou em vigor em Julho, o que não permite fazer uma avaliação do seu impacto. Esta medida impõe critérios mais rigorosos de avaliação da capacidade financeira das famílias para cumprirem com novos créditos e definiu limites à duração dos contratos, que no caso do crédito ao consumo não podem ultrapassar os 10 anos e à habitação deverão, a médio prazo, reduzir-se para 30 anos. O Banco de Portugal diz que “continuará a monitorizar de perto o cumprimento da medida macroprudencial por parte das instituições e actuará quando considerar necessário”. Com Rita Marques Costa

Sugerir correcção
Comentar