Liderança do Crédito Agrícola está na mira do Banco de Portugal

Este sábado, o grupo Caixa Agrícola vai reunir-se em assembleia geral para discutir a alteração de estatutos. Regulador analisa eventual conflito de interesses e irregularidades na gestão, na sequência de denúncias anónimas.

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Conselho de administração executivo da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo (CCCAM) é liderado desde 2012 por Licínio Pina Vítor Cid

O Banco de Portugal pediu ao conselho de administração executivo da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo (CCCAM), liderado desde 2012 por Licínio Pina, esclarecimentos detalhados sobre situações reportadas através de cartas anónimas que o supervisor admite, a confirmarem-se, poderem ser susceptíveis de configurar irregularidades e conflitos de interesse.

Em causa não estarão nem dúvidas sobre a solidez do grupo, que é, aliás, o mais capitalizado do sector bancário [rácio de capital de quase 15%, quase o dobro do mínimo fixado pelo BdP], nem, aparentemente, situações do foro criminal. 

A carta saiu do BdP a 10 de Dezembro, segunda-feira passada, com registo de aviso de recepção, e com a informação logo à cabeça de que o “assunto” a tratar eram “denúncias anónimas contra a Caixa Central”, o banco do Grupo Crédito Agrícola. O supervisor comunica que a 30 de Agosto recebeu as cartas anónimas do próprio supervisionado e que a 11 e a 30 de Outubro também lhe chegaram de forma anónima.

O pedido de esclarecimentos ao CAE da CCCAM é, em parte, o cumprimento de uma mera formalidade, pois a lei impõe que o supervisor perante uma queixa, mesmo anónima, procure informar-se sobre o seu teor. E é o que o BdP acaba por fazer. Mas não se fica pelas simples perguntas, avança com questões intrusivas, algumas fora do contexto das cartas anónimas.

O ponto que mais chama a atenção é o facto de o BdP reflectir na carta, a propósito de denúncias anónimas, a indicação: os membros do CAE da Caixa Central não podem desempenhar cargos de administração em nenhuma das 80 caixas agrícolas que estão espalhadas por todo o país, nomeadamente, pelas zonas rurais.

Na prática, avisa Licínio Pina de que não pode exercer em simultâneo a presidência do grupo Caixa Central e o cargo de administrador da Caixa de Crédito Agrícola da Serra da Estrela, região de onde o banqueiro é natural. Isto, para evitar juízos em causa própria. Nesse sentido, por exemplo, pede “o envio de cópia da acta da reunião do CAE da Caixa Central em que foi votado o aumento da área geográfica da CCAM da Serra da Estrela, cujo órgão de administração é presidido pelo presidente do CAE da Caixa Central”.

Entre várias questões sobre diferentes temas (desde as remunerações a créditos sindicados, fusões entre caixas) que o BdP coloca à equipa de Licínio Pina destacam-se duas. Uma delas está relacionada com o arrendamento/venda do edifício Valmor, situado na Avenida da República, em Lisboa, a uma entidade do universo do antigo governador do BdP António Sousa que detém o fundo de capital de risco ECS.

O supervisor quer inteirar-se das condições em que se realizou o negócio imobiliário e solicita documentação diversa, como as actas de aprovação em CAE, as análises de suporte à decisão, os contratos celebrados, os relatórios de avaliação, quer à data da operação, quer aqueles entretanto actualizados, a descrição de procedimentos para “prevenção de potenciais conflitos de interesse”. Em síntese: o BdP quer garantir que não houve um preço de favor, que beneficiou o comprador, a ECS, e prejudicou o grupo cooperativo, e assim afastar a tese de que a transacção pode não ter sido correcta.

Outro tema que suscita preocupação ao BdP diz respeito à contratação da “esposa do presidente do CAE da Caixa Central”, que leva o regular a solicitar “a descrição do processo de selecção e de recrutamento”, incluindo a “aprovação dos referidos processos e a respectiva documentação de suporte”. E ainda “a descrição da função e respectivas responsabilidades da esposa do presidente do CAE na Caixa Central, bem como da direcção em que se encontra integrada e da data da sua contratação”.

Adicionalmente, na qualidade de principal responsável da Caixa Central, Licínio Pina deixa de poder “acumular o pelouro da direcção de auditoria” com o da “direcção de empresas”, por não ficar “salvaguardada a independência à referida função de controlo”, faz notar o BdP, que recomenda a revisão da distribuição de pelouros.

A carta do BdP, com cinco páginas, chegou a Licínio Pina num contexto particular, em cima do fim do seu segundo mandato, que termina no final deste mês.

Ainda não arrancou o processo eleitoral para nomear a gestão da Caixa Central para o triénio 2019-2021. Trata-se do banco detido a 100% por 80 caixas de crédito agrícola espalhadas por todo país, incluindo os Açores, e que, por sua vez, são fiscalizadas pelo banco (Caixa Central) de que são as donas. E os poderes de fiscalização da instituição que tem à frente Licínio Pina, conferidos por lei, são alargados, pois cabe-lhe avaliar a idoneidade dos gestores das 80 caixas agrícolas (as donas), definir níveis de capital e de liquidez de todo o Grupo Crédito Agrícola (que junta as 80 caixas agrícolas, mais a Caixa Central, as seguradoras e outras sociedades). Trata-se de um dos raros grupos que sobreviveu às crises sem problemas ou recurso a fundos externos. 

Este sábado, o grupo Caixa Agrícola vai reunir-se em assembleia geral para discutir a alteração de estatutos. O objectivo era incluir uma exigência do BdP: que o conselho geral e de supervisão fosse formado por uma maioria de independentes. A lista, actualmente com nove elementos, integra apenas representantes das caixas e passará a ter cinco independentes. A pretexto deste requisito, Licínio Pina avançou com uma proposta de revisão estatutária que mexe com várias dezenas de artigos, o que tende a mudar o modelo instituído – e também está a originar a contestação interna.

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