UE não sabe o que é possível fazer para salvar o acordo do “Brexit”, mas sabe o que é impossível

Líderes europeus querem ajudar Theresa May a travar a rebelião parlamentar em Londres, dentro de limites: reabrir as negociações é absolutamente tabu.

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Theresa May e Jean-Claude Juncker na terça-feira em Bruxelas: ajudar sim, renegociar não Reuters/YVES HERMAN

Só depois de ouvirem da boca de Theresa May quais são as suas “preocupações” e “expectativas” quanto à aprovação ou chumbo do acordo de saída do Reino Unido da União Europeia na Câmara dos Comuns, é que os 27 chefes de Estado e de Governo, que se reúnem quinta-feira em Bruxelas, vão avaliar o que podem fazer para apoiar a primeira-ministra britânica e evitar que o “Brexit” seja um salto no precipício de consequências devastadoras para ambos os lados.

Na véspera do Conselho Europeu, só havia uma certeza: a de que os líderes europeus estão disponíveis para fazer o que for preciso para salvar o acordo de saída que negociaram laboriosamente nos últimos 20 meses. A incerteza era precisamente o que será preciso para impedir que tudo o que foi construído se desfaça. “Não sabemos o que é possível, mas sabemos o que é impossível. É impossível reabrir o processo e renegociar o acordo que temos em cima da mesa”, assegurava um dirigente europeu esta quarta-feira, repetindo pela enésima vez a mensagem que os britânicos parecem não querer compreender.

O “Brexit” já não devia ser um tópico quente nesta última reunião do Conselho Europeu de 2018. Os líderes esperavam já ter arrumado a questão na cimeira extraordinária sobre o Artigo 50 que decorreu há três semanas, e por isso guardaram para este encontro uma agenda repleta com outras matérias delicadas e bem mais divisivas internamente: as migrações, as alterações climáticas, a negociação do próximo quadro financeiro plurianual da UE, o combate à intolerância, à desinformação e às tentativas de interferência nos processos democráticos.

Mas a rebelião parlamentar em Londres, que põe em causa a sobrevivência política de Theresa May e os termos negociados pelo seu Governo para um “Brexit” tão suave quanto possível, não deixou outra alternativa ao presidente do Conselho Europeu. “Dada a seriedade da situação no Reino Unido, não podemos evitar o ‘Brexit’. A nossa intenção é ouvir a da primeira-ministra britânica, e depois debater o assunto a 27 e adoptar as conclusões que forem relevantes”, escreveu Donald Tusk, na sua carta de convite aos líderes.

Assim, antes de um jantar de trabalho dedicado aos temas de política externa, os líderes vão pedir a Theresa May que faça um resumo dos últimos desenvolvimentos políticos no seu país e partilhe as suas preocupações relativas ao processo de ratificação do acordo de saída (e a declaração política que o acompanha, a definir as bases do relacionamento futuro entre o Reino Unido e a UE). “Precisamos de saber que tipo de garantias é que ela precisa, para depois reflectir sobre o que podemos oferecer dentro do nosso limite, que é o de não reabrir as negociações”, notava uma fonte que participou na preparação da cimeira.

A mesma fonte recusou especular se os líderes poderiam inclinar-se para a redacção de um novo protocolo a acrescentar ao acordo de saída, ou de uma declaração política que ficaria anexa ao documento — essa foi a solução que acalmou as objecções do Governo de Madrid, insatisfeito com as cláusulas do tratado relativas a Gibraltar. “Simplesmente ainda não sabemos o que vai ser pedido pelo Reino Unido”, dizia, acrescentando que “os líderes certamente saberão encontrar a resposta correcta” às exigências britânicas.

“Como o tempo começa a escassear, também vamos fazer um ponto de situação dos preparativos para o cenário de no-deal”, avisou ainda Donald Tusk. Os planos de contingência para a hipótese de um “Brexit” sem acordo — uma saída dura, sem um período de transição para os cidadãos, as administrações e os agentes económicos se habituarem à nova realidade — estão a ser desenvolvidos há meses pela Comissão Europeia e pelos governos dos Estados membros. Mas como reconhecia ao PÚBLICO um diplomata europeu, na opinião pública ainda prevalece a ideia de que o bom senso vai imperar e uma solução de última hora vai aparecer que impeça o caos que seria uma saída abrupta. “E pode não ser assim. Por isso há que acelerar os preparativos, ou o choque vai ser grande”, lembrava.

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