Marcelo levou as suas causas de sempre para Belém

O professor, constitucionalista e católico manteve-se igual a si próprio enquanto Presidente da República. Mas o papel que desempenha dá outra projecção às suas causas sociais e políticas, que professa desde o início do mandato.

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LUSA/PAULO NOVAIS

Marcelo Rebelo de Sousa não deixou as suas convicções à porta do Palácio de Belém. O professor, constitucionalista e católico que hoje completa sete décadas de vida adaptou o fato de Presidente da República à sua medida, consciente de que, ao usá-lo, se tornava maior do que si próprio. Com a dignidade da pessoa humana no centro das suas preocupações, elegeu como prioridade causas sociais como a pobreza, os sem-abrigo e os refugiados. E afirmou como causas políticas os consensos, o combate aos populismos e o multilateralismo, ajudando a projectar a imagem de Portugal no mundo.

 Sem-abrigo e pobreza

No primeiro Inverno do mandato, Marcelo saiu à rua ao encontro dos sem-abrigo e colocou na agenda política do Governo de esquerda a revisão da Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem-Abrigo, em atraso desde 2015. O seu objectivo era ambicioso: acabar com o fenómeno até 2023. Cerca de seis meses depois, o Governo promoveu um levantamento da situação e aprovou a nova estratégia 2017-2023, sem se comprometer com a erradicação do problema. "A meta é para cumprir”, disse Marcelo já este ano. E não tirou o assunto da sua agenda oficial: no site contam-se 10 reuniões e 17 encontros com sem-abrigo. Sentou-se no chão com eles, serviu-lhes refeições quentes, trata muitos pelo nome próprio e almoçou na casa de quem já saiu da rua. Apesar dos avanços, em Outubro último recebeu uma carta aberta da Comunidade Vida e Paz manifestando “uma profunda preocupação” com a ausência de “medidas concretas no Orçamento do Estado” para 2019”.

Nesse mesmo dia, em que se assinalava o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, o Presidente publicou uma nota no site em que afirmava pedia um sobressalto: “À semelhança, por exemplo, do que já se está a fazer com a inclusão das pessoas em situação de sem abrigo, onde há uma estratégia multidisciplinar, com objectivos traçados (e alguns já atingidos) e um prazo temporal para avaliação.” Dos sem-abrigo aos pobres, o salto é de um universo de três mil para dois milhões.

Migrantes e refugiados

Há três páginas de referências aos refugiados no site da Presidência, tantas quantas as relativas aos sem-abrigo. A causa com que Jorge Sampaio se distinguiu mereceu a atenção de Marcelo desde a tomada de posse. Aproveita todas as oportunidades para voltar ao tema e para ir ao encontro do problema, como fez em Tebas (Grécia), em vários pontos de acolhimento de refugiados no país ou na Cozinha Popular da Mouraria. "Defender o futuro dos refugiados em todo o mundo é mais do que um imperativo de consciência, é uma obrigação de uma sociedade democrática, plural e competente”, escreveu no site da Presidência no Dia Mundial do Refugiado. Mas nesta matéria não há qualquer interpelação ao Governo, pelo contrário. No Congresso Internacional do Conselho Português dos Refugiados, em Novembro, elogiou a política portuguesa “dos governos dos partidos, das câmaras municipais, das ONG, todos” como “um exemplo de excelência”.

Cuidadores informais

Outra causa social de Marcelo é a criação de um Estatuto para o Cuidador Informal. “É uma causa que reúne o apoio de todos os partidos. É uma causa que o Presidente da República sempre defendeu e continuará a defender, até que seja uma realidade”, escreveu no site no Dia do Cuidador Informal. A pretensão encontra eco no Parlamento. Em Março, diversos partidos – BE, PCP, PAN e CDS-PP – apresentaram propostas para melhorar a vida de quem cuida e de quem é cuidado. A do BE integra a criação de um Estatuto do Cuidador Informal. A pré-proposta do grupo de trabalho do Governo para a nova Lei de Bases da Saúde já abre a porta para esta alteração. Em Setembro, no encerramento do primeiro encontro regional de cuidadores informais, em Vila Nova da Cerveira, defendeu que o estatuto deverá ser votado até ao final da legislatura. 

Consensos políticos

De Cavaco Silva, Marcelo herdou a bandeira dos consensos políticos, que defende desde o dia inaugural do mandato. Mas com uma tónica diferenciadora: convergência sim, diluição política não. Ou por outras palavras, “fazer convergências no verdadeiramente essencial, mantendo as frontais e salutares divergências naquilo que o não é”. Em Abril, quando Governo e PSD assinaram dois acordos – uma para a descentralização e outro para os fundos estruturais – o Presidente saudou-os. Antes, em Outubro do ano passado, tinha afirmado que a janela de oportunidade para a celebração de acordos terminava no início do ano eleitoral de 2019.

Combate aos populismos

Se a preocupação esteve sempre no seu horizonte, acentuou-se no seu discurso depois do Brexit e das eleições de Donald Trump ou Jair Bolsonaro. Este ano usou palcos relevantes como as comemorações do 25 de Abril no parlamento, nos Diálogos com o Mosteiro dos Jerónimos, do 10 de Junho nos EUA e no encerramento do Web Summit para “os líderes do futuro”. No Dia Internacional Contra o Fascismo e Antissemitismo, escreveu para a TSF: “[É preciso] despertar para os riscos, sempre presentes, dos chauvinismos, das xenofobias, dos racismos, dos chamados populismos, que hoje parecem, tantas vezes, ter substituído o nazismo e o fascismo de há cem anos". [E] agir, enfrentando as crises económicas, as injustiças sociais, as fragilidades dos sistemas de partidos e dos parceiros sociais, a corrupção das pessoas e das instituições, que minam as democracias e fazem florescer os seus inimigos".

Afirmar o multilateralismo

É a grande bandeira de Portugal em matéria de política externa, partilhada pelo Presidente e pelo Governo. E se começou por ser agitada como slogan da candidatura de António Guterres a Secretário-Geral das Nações Unidas, não perdeu força depois da sua eleição, nem da confirmação de António Vitorino como director-geral da Organização Internacional para as Migrações. Os novos ventos políticos que sopram mundo fora vieram dar-lhe ainda mais força, e o Presidente não hesita em afirmar este princípio da diplomacia portuguesa face a líderes como Donald Trump, Vladimir Putin ou Xi Jinping.

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