Eu também teria incendiado uns caixotes do lixo

A luta dos guardas prisionais até pode ser justíssima, mas vão-me desculpar: há coisas que pura e simplesmente não se fazem.

A greve deveria ser o último recurso em situações de tremenda injustiça. Em Portugal, é a prova de vida rotineira de tudo o que é sindicato da função pública. A facilidade com que se fazem greves e a forma como elas são feitas – em dias encostados a fins-de-semana, nos momentos em que os serviços são mais necessários (veja-se a greve dos professores às avaliações), ou até aos bochechos, como aquelas greves do metro apenas nas horas de pico da circulação – demonstram que aquilo que deveria ser um acto radical e duro, à maneira dos mineiros britânicos nos tempos de Margaret Thatcher, foi-se transformando aos poucos num acto banal e flácido. O Estado poupa uns trocos em ordenados, as empresas deficitárias têm menos défice quando os serviços param, e os trabalhadores nunca lutam por outra coisa que não sejam estatutos, salários e progressões. A quem prejudica a banalização das greves? Ao pobre cidadão, como é óbvio, seja ele utente do metro, estudante na escola pública ou recluso num estabelecimento prisional.

Outro problema: raramente nós, os prejudicados, percebemos quais as verdadeiras razões pelas quais as greves são feitas. Exactamente por se terem tornado rotina, limitamo-nos a ouvir na televisão umas banalidades por parte de sindicalistas e a engolir notícias pouco aprofundadas por parte de jornalistas. O mínimo que a comunicação social deve ao contribuinte que fica sem transporte público ou sem escola é explicar-lhe em detalhe por que razão é que não pode usufruir dos serviços pelos quais paga impostos todos os meses – e sem jamais poder fazer greve, porque o fisco não deixa.

Por causa da greve dos guardas prisionais, esta semana houve um motim no Estabelecimento Prisional de Lisboa. As descrições do caso que li na comunicação social não têm, mais uma vez, o nível de detalhe que gostaria de ter encontrado (parece que esta greve é por causa do “novo horário de trabalho”, pela “demora no descongelamento dos escalões” e pelo “pagamento do suplemento de turno”). Ainda assim, fiquei convencido de que se eu fosse um dos presos também estaria a incendiar caixotes do lixo. Segundo os números da Pordata (dados de 2017), há em Portugal 6725 funcionários dos serviços prisionais, dos quais 4400 são pessoal vigilante. Os reclusos são 13.440. Eu não sou especialista em prisões, mas um funcionário por cada dois reclusos ou um guarda prisional por cada três presos não são números que indiciem terríveis condições de trabalho ou falta de recursos humanos. Na altura dos desacatos, segundo a Sábado, haveria três guardas para cerca de 190 reclusos – tendo em conta a média nacional, e dividindo o dia em três turnos, é caso para perguntar onde estariam os 18 guardas em falta.

No bar da prisão não seria: devido à greve, os bares estão fechados “há cerca de um mês”. E devido a um plenário de guardas as visitas de quarta-feira foram canceladas – daí o motim. Se os reclusos têm apenas duas visitas semanais de uma hora (consta que, nalgumas prisões, a greve obrigou a reduzir as visitas a uma hora semanal), será razoável marcar um plenário em cima desse horário? É que isso não desrespeita apenas quem está preso – desrespeita, em primeiro lugar, as famílias e os filhos dos reclusos, que estão a sofrer cá fora. A luta dos guardas prisionais até pode ser justíssima, e todos sabemos como as cativações têm esmifrado os serviços públicos. Mas vão-me desculpar: há coisas que pura e simplesmente não se fazem.

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