O ateu fundamentalista

O crente católico, cada vez em menor número, é constantemente alvo de afiadas presunções devido à sua fé. “Acredita em Deus? Não pensa pela própria cabeça, outro no rebanho.”

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O texto de hoje debruça-se sobre a pútrida questão da comum pessoa católica ser vista, por equívoco, como um ser intelectualmente inferior. Na teoria, não consegue ver a luz da sabedoria que o mago ateu vê. Com o fim de expor o meu argumento da melhor forma, apresento-vos a minha história pessoal. 

Oriundo de uma família católica e educado num colégio como tal, a partir do início da minha juventude tornei-me céptico à Igreja e por isso não se desenvolveu um aprofundamento natural do credo. Tal não sucedeu pela seca e cansada lengalenga das provas científicas. Tal aconteceu, pois não sentia algo que deve ser sentido para ser verdadeiro. Na actualidade, por razões pessoais que não interessam desembrulhar, a conjuntura alterou-se e, após uma “revolução espiritual”, assumo-me plenamente como um homem de fé.

Contudo, durante esta minha poeirenta e claudicante viagem metafísica houve algo que categoricamente não fiz. Não menosprezei os crentes: não passei a pensar que se determinada pessoa acredita em Deus, peca no intelecto. Digo, com firmeza, que isso actualmente existe na minha geração. O crente católico, cada vez em menor número, é constantemente alvo de afiadas presunções devido à sua fé. “Acredita em Deus? Não pensa pela própria cabeça, outro no rebanho.” Voga sobre os não-crentes a ideia de que o ateísmo é a augusta verdade e de que todos as outras concepções são para os menos inteligentes que, coitados, não conseguem atingir a chave-mestra da existência. 

Sentem-se, por isso, numa missão civilizadora de mostrar aos que os rodeiam que Deus é falso porque — vejam lá — não está provado cientificamente. Nasce, então, o ateísmo fundamentalista. Este, que em muito se diferencia do ateísmo regular, organiza-se em várias frentes: grupos de amigos, eventos familiares, conversas casuais e, por fim, o terrível adamastor — as redes sociais. É sobretudo nelas que se vê a dita missão civilizadora de salvar todos aqueles que, infelizmente, não conseguem ver a luz do nada. Gastam teclado e esforçam-se para através de uma caixa de comentários tentar fazer notar à Dona Perpétua — que toda a sua vida foi crente e frequente na missa — a inexistência de Deus! "Esteve toda a vida enganada, nós é que estamos certos: há que a salvar da ignorância!”, bradam.

Todavia, o alvo preferido da magnânima intelectualidade ateísta é o jovem católico, figura que é muitas vezes alvo de idiota zombaria. O argumento deambula ora no facto de ter nascido na abjecta “geração mais informada de sempre” e, por isso, não poder acreditar numa coisa de que não há prova científica, ora no facto de só ter tal credo porque cresceu numa família privilegiada. Menosprezam e menorizam a pessoa porque, enfim, apenas tem fé. Mas então não tem direito a tê-la?

O ateu radical — a seu ver mais inteligente, mais culto, mais iluminado — esperneia de felicidade ao encontrar um moçoilo católico. É o seu banquete, o seu deleite. Há ali um palco onde ele pode brilhar. “Vamos mostrar a este pobre coitado que ele está enganado e que Deus não existe.” Envia provas científicas coerentes, utiliza uma argumentação lógica, cuidada. Contudo, o jovem — exactamente por ter uma fé sólida e dogmática — não capitula. Ao contrário do ateu radical, não procurará impor a sua visão aos outros. Sabe que nem faria sentido agir dessa forma, porque entende que não se pode impor um sentimento. 

Urge então clarificar a esta gente que a fé é um sentimento, uma crença pessoal. Que em nada se pode confundir com a razão. É por vezes uma escolha, contudo tão legítima como a escolha de ausência dela. Para que vivamos todos de forma harmoniosa pede-se que não seja beliscada e que seja, sobretudo, respeitada. Excelentíssimos senhores ateus fundamentalistas, protectores do sagrado baú da verdade teológica, as “palas” que vós tanto insistis que tiremos, são as mesmas que não vos permitem ver o que existe para além da vossa espiral de verdade dogmática.

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