Concursos de apoio às artes já têm novas regras, na esperança de que haja menos contestação

Os programas a abrir em 2019 integram algumas das recomendações do grupo de trabalho criado pelo Governo na sequência de amplos protestos do sector. A começar pela separação entre o apoio à criação e o apoio à programação.

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A contestação ao modelo de apoio às artes criado pelo actual Governo mobilizou o sector NUNO FERREIRA SANTOS

O Ministério da Cultura publicou ao final da tarde desta sexta-feira a sua Declaração Anual relativa aos programas de apoio às artes a abrir em 2019, e esta inclui já as recomendações feitas pelo grupo de trabalho nomeado pelo Governo para colaborar na revisão das regras do muito contestado modelo lançado em 2017 pelo então secretário de Estado Miguel Honrado. Uma das mais significativas, e das mais reivindicadas pelo sector, é a separação total entre os concursos para criação e os concursos para a programação, que fica agora consagrada.

O próximo Programa de Apoio Sustentado Bienal (2020-2021), cuja abertura ocorrerá "no máximo no decurso do mês de Março", conforme o documento assinado pela ministra da Cultura, Graça Fonseca, adopta "uma lógica estruturada por domínios de actividade", abrindo na área da criação seis concursos (artes visuais, dança, música, teatro, cruzamento disciplinar e circo contemporâneo e artes de rua) e na área da programação um único concurso agregando todas as áreas artísticas. O montante total disponível para o biénio é de 17,58 milhões de euros.

No âmbito do Programa de Apoio a Projectos (com uma dotação de quase 2,5 milhões de euros), a DGArtes compromete-se a lançar entre Fevereiro e Setembro, "vários procedimentos simplificados", considerando os domínios da circulação nacional, da internacionalização, do desenvolvimento de públicos, da edição, da investigação e da formação, contemplando todas as áreas artísticas (incluindo, além das acima mencionadas, arquitectura, design e fotografia e novos media).

O concurso limitado (por convite) respeitante à representação oficial portuguesa na 17.ª Exposição Internacional de Arquitectura da Bienal de Veneza 2020 abrirá em Junho, adiantou ainda o Ministério da Cultura. O modelo, já testado na edição anterior, com a escolha dos curadores Nuno Brandão Costa e Sérgio Mah, foi também entretanto já adoptado para a escolha da participação portuguesa na próxima Bienal de Arte.

Antes, em Maio, será lançado o Programa de Apoio em Parceria, com a finalidade de captar parcerias destinadas ao apoio do desenvolvimento de projectos estratégicos. A sua dotação total é de 500 mil euros.

De entre as recomendações do grupo de trabalho nomeado pelo anterior ministro, Luís Filipe Castro Mendes, que irão ser incorporadas no modelo consta também, segundo nota enviada às redacções, o alargamento do prazo das candidaturas e a eliminação da exigência de pontuação mínima de 60% em cada um dos critérios de apreciação no Apoio Sustentado. As entidades que se candidatem a esta modalidade de apoio deixam também de estar obrigadas a apresentar um plano de actividades e um orçamento de actividades detalhados para os vários anos abrangidos pela candidatura, passando a ter de fornecer apenas indicações exaustivas acerca do primeiro dos dois ou quatro anos que pretendem ver financiados.

As entidades apoiadas terão também a partir de agora "direito ao contraditório relativamente ao relatório das comissões de avaliação e acompanhamento". 

De contestação em contestação

A contestação ao modelo com que Miguel Honrado quis reorganizar o apoio às artes, e que foi lançado em 2017 após um longo processo de gestação, rebentou em Março deste ano, quando foram conhecidos os primeiros resultados dos concursos abertos já à luz das novas regras. Na área dos cruzamentos disciplinares, por exemplo, o grosso do montante disponível foi arrebatado por estruturas de programação de grande dimensão (e fortemente apoiadas pelas autarquias) como o Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, o Teatro Viriato, em Viseu, ou O Espaço do Tempo, de Montemor-o-Novo, deixando outras com historial reconhecido, mas de incomparavelmente menor dimensão, como o festival Circular ou a companhia Circolando, fora da lista de entidades apoiadas. Não tardaram as acusações de que as novas regras promoviam situações de "concorrência desleal".

Os resultados dos concursos nas áreas da dança e do teatro fizeram a contestação subir de tom, com várias estruturas históricas (incluindo o Teatro Experimental de Cascais, o Teatro Experimental do Porto e a Escola da Noite, entre muitas outras) e figuras fundamentais da criação contemporânea portuguesa como Mónica Calle a verem-se excluídas.

Perante as reivindicações cada vez mais insistentes de que era imprescindível aumentar a dotação dos concursos, para tornar menos curta a manta dos apoios, o próprio primeiro-ministro teve de intervir pessoalmente para apaziguar o sector. Em apenas 17 dias, o Governo, pressionado à esquerda e à direita, anunciou três reforços orçamentais, que expandiram de 15 para 19,2 milhões o montante disponível para os concursos e permitiram a repescagem de várias das estruturas que haviam sido consideradas elegíveis para financiamento, mas ainda assim não o haviam obtido. No auge da crise, e com muitas vozes a reclamarem a demissão de Miguel Honrado, o próprio António Costa se viu obrigado a intervir pessoalmente, disponibilizando-se a ouvir os representantes do sector numa audiência no Palácio de São Bento em que se comprometeu a trabalhar numa revisão do modelo de apoio às artes. 

Em Junho, com os resultados dos vários concursos já homologados e várias estruturas dispostas a continuar a luta por via jurídica, Castro Mendes foi ao Parlamento especificar as afinações que era preciso fazer no modelo de apoio às artes e anunciar a criação de um grupo de trabalho para sugerir recomendações. Entretanto, em Outubro, tanto o ministro da Cultura como o seu secretário de Estado saíram do Governo em Outubro.

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