Até onde vão as ondas de choque do “Brexit” na economia portuguesa?

INE traça simulação pós-“Brexit”. Num cenário hipotético — não é uma previsão — em que as exportações recuem 10%, o PIB português diminui 0,3 pontos percentuais.

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May anda em campanha para tentar fazer aprovar o acordo alcançado com os 27 governos europeus Reuters/Dylan Martinez

O que impacto vai ter a saída do Reino Unido nas exportações portuguesas e, isso, na economia? A previsão sobre as ondas de choque do “Brexit” é tão incerta que nem os cenários teóricos que procuram dar-lhe resposta arriscam um ponto final na conclusão — fazem-se exercícios, mas logo a seguir a prudência exige um aviso: há impacto que não são sequer ser levados em conta e as consequências são por isso variáveis.

Foi com esse princípio que o Instituto Nacional de Estatística (INE) procurou agora traçar um cenário teórico caso haja uma queda acentuada das vendas para um mercado tão importante como o Reino Unido — o quarto destino das exportações de bens produzidos em Portugal e o primeiro para onde o país vende serviços.

Recorrendo ao modelo chamado Input-Output — um dos “vários instrumentos analíticos para estimar esse impacto” —, o INE calcula que uma "redução uniforme de 10% das exportações de bens e serviços para o Reino Unido traduz-se numa diminuição de 0,26% do Produto Interno Bruto (PIB) português". Mas este é apenas um cenário que tem em conta os efeitos directos e indirectos internos entre os dois velhos aliados comerciais. Não estão a ser contabilizadas as outras ondas de choque do “Brexit”.

O instituto estatístico não faz qualquer previsão (não tem essa atribuição), nem a hipótese que coloca é uma expectativa sobre o impacto do “Brexit” na economia, referiu ao PÚBLICO o gabinete de imprensa da instituição?. O que faz é assumir que por cada diminuição de 10% de exportações para o Reino Unido o PIB português sofre uma contracção de 0,26 pontos percentuais.

De fora dos cálculos, afirma o INE numa nota publicada nesta sexta-feira, estão os “efeitos indirectos” que o divórcio vai ter nos principais países com quem Portugal mais se relacionada economicamente – por exemplo, não são levados em conta o impacto da saída Reino Unido na economia espanhola e, disso, na portuguesa; nem o resultado nas economias alemã e francesa e, disso, na portuguesa.

O cenário é de incerteza, em primeiro lugar para o Reino Unido. Em Londres, o Governo conservador de Theresa May fez sair esta semana um estudo do Governo que apontava, para vários cenários de saída, para uma diminuição da economia britânica ao longo dos próximos 15 anos; e o Banco de Inglaterra alertou que um divórcio “desordeiro” pode implicar prejuízos superiores aos da última crise financeira mundial.

O acordo de saída está negociado com os 27 outros países da União Europeia e aprovado pelos chefes de Estado e Governo, mas o risco de ser chumbado no Parlamento britânico é provável, perante a frente de contestação interna que May enfrenta no interior do Partido Conservador e na oposição dos unionistas que suportam o executivo dos tories.

Cenário ilustrativo

“Tem-se questionado qual o impacto na economia portuguesa [do “Brexit”], nomeadamente por via da redução das exportações de bens e serviços, tanto mais que aquele país é um importante cliente de Portugal” pela importância que as receitas do turismo inglês garantem. Há vários sistemas para o pode fazer e o INE usou o modelo Input-Output, que, “tendo em conta um conjunto de hipóteses e condicionantes, permite obter indicações quantitativas”, através de multiplicadores.

A estimativa de redução do PIB em 0,26 pontos, diz o INE, tem por base “os conteúdos de inputs primários do PIB calculados para o ano de 2015 e os valores de exportações de bens e serviços apurados para o ano de 2016”. Para fazer estes cálculos, o INE assumiu como hipótese um cenário de redução uniforme entre todos os produtos exportados (bens e serviços). Mas se o turismo for afectado com mais intensidade do que outro sector, por exemplo, o resultado é distinto.

O INE não decidiu publicar um estudo específico sobre o “Brexit” e divulgá-lo nesta altura: como divulgou nesta sexta-feira um destaque sobre as Matrizes Simétricas Input-Output, em que faz medições como “um euro a mais de exportações reparte-se em 44 cêntimos de importações adicionais e em mais 56 cêntimos de PIB”, escolheu também incluir um cenário ilustrativo sobre o “Brexit” para mostrar como se pode usar este instrumento de análise do Input-Output.

Na segunda linha

Também o FMI já fez contas, a admitir que um hard “Brexit” possa conduzir no longo prazo a uma perda de 0,5% na economia europeia e 0,2% na portuguesa.

Um estudo recente realizado pela Ernest &Young e pela sociedade de advogados Augusto Mateus Associados coloca Portugal como um dos países da UE com um impacto económico “intermédio” ou de “segunda linha” por causa do “Brexit”. A análise, encomendada pela Confederação Empresarial de Portugal (CIP) e com o patrocínio do Governo português, fez uma avaliação de “sensibilidade da economia” e das empresas atendendo às “diversas dimensões que lhe estão associadas”, olhando tanto para os sectores de actividade mais sensíveis, como para os reflexos da contracção que se prevê na economia britânica, passando pela alteração de “quadro de relacionamento económico entre Portugal e o Reino Unido.

O estudo (concluído em Setembro) aponta para uma redução de 0,5% a 1,9% nos fluxos de investimento directo estrangeiro, uma quebra de 1,1% a 4,5% nas exportações para o Reino Unido e uma diminuição das remessas de emigrantes entre 0,8% e 3,2% associada à “contracção prevista para a economia britânica no horizonte do período de transição”.

Entre as empresas exportadoras, as que vendem produtos informáticos, electrónicos e ópticos, Equipamento eléctrico, automóveis são as que mais expostas estão. Numa segunda linha, mas num nível de risco “ainda médio alto” está uma gama de produtos, como alimentos, bebidas, tabaco, têxteis, roupa, couro, papel, cartão, produtos farmacêuticos, metais ou mobiliário, concluía o estudo pedido pela CIP.

Queda no turismo inglês

Em 2017, o Reino Unido foi o quarto país que mais recebeu exportações portuguesas, num total de 8074 milhões de euros, em que a maior fatia, de 4492 milhões de euros, corresponde ao que se contabiliza como venda de serviços (onde se incluem os cálculos do turismo), e os restantes 3644 milhões equivalem a produtos vendidos.

O Reino Unido é o principal mercado emissor de turistas para Portugal e desde Outubro de 2017 que o número de visitantes ingleses está a diminuir (foi assim até Agosto). Só nesse mês, o turismo britânico baixou 12,3% em relação a Agosto de 2017, um recuo ainda mais significativo do que o recuo de 9,4% quando se olha para o conjunto dos oito meses deste ano).

Como o PÚBLICO já noticiou, o “Brexit” é um dos factos, mas não o único, que estão a levar a essa quebra (também a explicam a recuperação de destinos turísticos como a Tunísia, a Turquia ou Egipto, os atrasos nas ligações aéreas e a própria desvalorização da libra em relação ao dólar, uma trajectória por sua vez também influenciada pelo “Brexit”). Apesar disso, o total das exportações (bens e serviços) para o Reino Unido continua em alta: até Setembro foram vendidos 6.501 milhões de euros, mais 7% do que nos primeiros nove meses de 2017.

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