Youtuber português Wuant lança crítica viral à directiva de direitos de autor

O vídeo de Paulo Borges, conhecido como “Wuant” no YouTube, correu a Internet. Mas é também um exemplo da complexidade do que está em causa.

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O YouTube está a enviar emails sobre algumas das consequências da nova directiva Reuters/Dado Ruvic

A polémica sobre as novas regras europeias de direitos de autor na Internet – discutidas há anos e em vias de serem aprovadas – ganhou novo fôlego junto dos jovens em Portugal, depois de um popular youtuber alertar sobre como podem causar “o fim da Internet”. Não foi o primeiro.

Nos últimos meses, vários criadores da plataforma online têm feito vídeos semelhantes, depois de receberem emails do Google, que é dono do YouTube, a alertar para as consequências das novas regras para o digital que estão a ser discutidas na União Europeia.

“O meu canal vai ser apagado e provavelmente não vai ser o único”, começou Paulo Borges (mais conhecido pelo nome “Wuant”), num vídeo de 11 minutos em que o artista, que é famoso por publicar vídeos de humor na Internet e tem mais de três milhões de seguidores, tenta explicar o que está em causa. Desde então, o vídeo tem sido amplamente partilhado nas redes sociais, tornando-se mesmo alvo de debate em algumas salas de aula.

Fonte oficial do YouTube confirma o envio da informação: “Estamos a mostrar estas mensagens para garantir que criadores e consumidores têm conhecimento acerca da próxima reforma dos direitos de autor.” O PÚBLICO tentou contactar Paulo Borges, mas não obteve resposta até à hora de publicação deste artigo.

O vídeo tem, no entanto, algumas imprecisões.

O artigo 13.º vai causar o “fim da Internet” ?

O artigo 13.º é o mais controverso da proposta. Ganhou fama como uma espécie de “máquina da censura” porque a versão original da Comissão Europeia pretendia que os serviços online adoptassem “tecnologias efectivas de reconhecimento de conteúdos” (chamadas “filtros” pelos críticos) para monitorizar todo o material. O objectivo era barrar conteúdo com base em mecanismos para detectar porções de ficheiros (áudio, texto, ou vídeo) protegidos por direitos de autor. 

O texto actual é diferente e estipula que se deve evitar “o bloqueio automático dos conteúdos”. Antes havia uma referência aos filtros, agora lê-se que as plataformas “devem celebrar acordos de licenciamento justos e adequados com os titulares de direitos”. A ideia não é que o YouTube impeça a presença de conteúdo na sua plataforma, mas que crie acordos para pagar aos seus autores. Isso significa, no entanto, monitorizar os conteúdos e, eventualmente, barrar também aqueles para os quais não haja certezas sobre a questão dos direitos de autor.

A proposta determina igualmente que os Estados-membros “estabeleçam mecanismos de reclamação” eficazes para os conteúdos retirados por engano. “No caso em que conteúdo de paródia ou humor seja removido, os criadores podem contestar a remoção e pedir que o conteúdo volte a ser colocado online”, lê-se numa página do site do Parlamento Europeu dedicado a dúvidas sobre a nova directiva.

Parte do problema do YouTube com a nova directiva é o facto de ser “pouco realista”. Num artigo de opinião recente, a presidente executiva do YouTube, Susan Wojcicki, explica que “muitas vezes os próprios criadores de conteúdo discordam sobre quem é que tem os direitos sobre o material”, especialmente em vídeos que incluem música, imagens e textos de vários autores.

A empresa frisa que o Content ID, uma funcionalidade de identificação de conteúdo que analisa todos os vídeos do YouTube, só funciona quando os donos do conteúdo com direitos de autor informam o YouTube sobre o material a que têm direito. A lista é feita de obras enviadas ao YouTube por estúdios de cinema, editoras de música, produtoras de televisão e outras entidades, que são notificadas quando é detectada alguma infracção.

Os internautas vão ser processados por uma imagem do Shrek no Twitter?

Não. Muitos críticos da proposta têm alertado para a possibilidade de a utilização de memes ser proibida com as novas leis. Trata-se de um fenómeno humorístico da Internet, em que se exprime sucintamente uma ideia pela manipulação de uma expressão, imagem, ou vídeo.

Ainda no começo do vídeo, Wuant sugere que, no futuro, os utilizadores da Internet poderão ser “processados” por colocar uma imagem (como a de Shrek, o personagem da Disney) – que não compraram, desenharam ou fotografaram – no Twitter. 

É algo que o Parlamento Europeu já veio clarificar, ao identificar “caricaturas, paródias, ou pastiche” como um excepção, garantindo “a reprodução e comunicação de tal conteúdo ao público” como parte da liberdade de expressão.

A lei já foi aprovada? 

A directiva ainda está em processo legislativo. Em Setembro, o Parlamento Europeu aprovou uma proposta de 17 artigos que está a ser algo de negociações num processo à porta fechada conhecido como “trílogo”. Envolve a Comissão Europeia, o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu. O resultado destes debates será alvo de novas votações em Janeiro.

Quem aprovou a lei?

Wuant refere que “uma das últimas pessoas a aprovar esta lei” era portuguesa. Numa votação em plenário, e ao mesmo tempo que os restantes eurodeputados, a maioria dos eurodeputados portugueses disse sim à proposta mais recente da nova directiva de direitos de autor. Dos 19 deputados portugueses a participar na votação de Setembro, 14 deram um voto positivo.

A favor votaram os eurodeputados eleitos pelo PSD, PS (com a excepção de Francisco Assis) e CDS, bem como o deputado do Partido da Terra. Contra estiveram os deputados do PCP e a deputada do Bloco de Esquerda.

Apenas os deputados socialistas Ana Gomes e Manuel dos Santos, ambos do PS, mudaram a sua opinião face à votação anterior. Na altura, Gomes tinha rejeitado a proposta e Manuel dos Santos tinha-se abstido. Desta vez, votaram a favor.

Em declarações ao PÚBLICO, Ana Gomes disse na altura que mantinha reservas sobre a directiva, mas não queria barrar o documento. “O que está em jogo é muito importante para ficar parado. O problema é que o tema é tão contraditório, tão emocional e todos os pontos de vista são válidos”, afirmou então a eurodeputada. “Mantenho muita apreensão contra o artigo 13.º. Não fala em filtros, mas fala em mecanismos que podem resultar em censura.”

“Pessoa importante” para a lei não a conhece?

Wuant diz que Axel Voss, relator do texto votado, “não fazia ideia do que era a lei”. Apesar de Voss não ser mencionado pelo nome, é mostrada uma fotografia do eurodeputado alemão, e Wuant descreve-o como uma das pessoas “mais importantes” para a nova lei. A informação de Wuant vem de um artigo do site Quartz, para a qual o youtuber remete na descrição do vídeo. 

O que Voss admite no artigo é que desconhecia a rectificação número 76 (referente à transmissão de eventos desportivos na Internet), dizendo que não foi “suficientemente escrutinada” devido ao foco noutros pontos da legislação. A rectificação número 76 pretende evitar que empresas de apostas aliciem utilizadores da Internet para os seus sites com vídeos de eventos desportivos que não têm o direito de filmar.

Quem pode partilhar links?

Wuant alerta que o artigo 11.º, que prevê que os sites de jornalismo possam cobrar pela partilha de excertos que acompanham os links para as suas páginas, pode obrigar as pessoas a pagar para usar links.

O artigo nasceu para satisfazer a reivindicação da imprensa online de cobrar às plataformas que agregam conteúdos jornalísticos (por exemplo, a do Google).

No texto mais recente, o Parlamento Europeu clarifica que os direitos conferidos à imprensa “não impedem a utilização legítima, privada e não comercial de publicações de imprensa por utilizadores individuais” e não devem ser alargados para incluir meras hiperligações de palavras isoladas. Muitos críticos continuam a descrever o artigo como vago.

Quem está contra a proposta?

Tal como Wuant refere no seu vídeo, Tim Berners-Lee, o engenheiro britânico que inventou a World Wide Web, também está contra a proposta da directiva, por acreditar que as mudanças aumentam a monitorização que é feita ao conteúdo online.

Há também vários políticos contra, sendo um dos rostos mais visíveis o de Julia Reda, eurodeputada do Partido Pirata Alemão. Para Reda, a formulação actual é muito estreita e pode prejudicar a competitividade do sector privado tecnológico na União Europeia. A eurodeputada do Bloco de Esquerda, Marisa Matias, compara o resultado à “abertura da caixa de Pandora” para o “caminho livre à censura prévia”.

A associação portuguesa D3, que luta pela defesa dos direitos digitais e também se opõe ao texto actual, lembra no Twitter que o processo está longe de terminar e não envolve apenas youtubers, mas também “organizações de direitos digitais, software livre, dados abertos”.

A favor da proposta estão músicos como Paul McCartney e Ennio Morricone  que escreveram cartas a apoiar a proposta e a acusar “tecnopólios” de promoverem campanhas de desinformação para evitar pagar o trabalho dos artistas. Em Agosto, vários artistas e associações ligadas à indústria criativa em Portugal também enviaram um apelo aos eurodeputados portugueses a defender a proposta. “A campanha dos seus opositores tem vindo, deliberadamente, a descentrar a discussão do essencial, procurando agitar a opinião pública com fantasmas da censura”, lê-se no apelo enviado ao Parlamento Europeu.

A nova proposta, depois de ser sujeita a alterações, vai a votação em Janeiro de 2019.

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