Os “coletes amarelos” só param com a demissão de Macron

Os impostos foram “a gota de água” para estes franceses que se sentem desconfiados do Governo. Os dias têm sido de nervos nas ruas e auto-estradas francesas, com os bloqueios de multidões furiosas. Este sábado, querem bloquear Paris.

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Manifestantes de colete amarelo continuam a bloquear estradas e ruas CHRISTOPHE PETIT TESSON/EPA

Cynthia nunca tinha participado numa manifestação. Tal como ela, milhares saíram às ruas há uma semana, em protesto, sem nunca o terem feito antes, usando um colete amarelo. E fizeram-no com muita raiva, que estão dispostos a levar para a rua outra vez este sábado. O Presidente Emmanuel Macron é o alvo principal, o representante da degradação das condições de vida sentida pelas classes médias. Mas o ambiente de desconfiança é geral. Dirige-se aos partidos, aos deputados, à polícia, aos jornais e canais televisivos e às próprias redes sociais, que muitos acreditam estar a censurar publicações de membros do movimento dos “coletes amarelos”.

O PÚBLICO falou nos últimos dias com alguns apoiantes deste movimento que ganha força a cada dia que passa. É nos inúmeros grupos de Facebook, geralmente criados para organizar os bloqueios de estradas numa dada região, que tudo acontece. A actividade é intensa e desordenada. Há publicações a um ritmo constante, que rapidamente ganham “likes” e comentários.

As pessoas partilham vídeos dos bloqueios que foram acontecendo esta semana, memes [imagens com mensagens humorísticas partilhadas na Internet] contra o Governo, mostram as contas que têm para pagar ao fim do mês, denunciam a violência das autoridades, espalham notícias falsas, celebram o apoio dado por alguns autarcas e tentam organizar-se para as próximas acções – como a deste sábado.

O objectivo deste sábado é fazer uma grande manifestação em Paris, para paralisar a capital. Os “coletes amarelos” (como é conhecido o movimento) acusam os media franceses de não terem mostrado a verdadeira dimensão dos bloqueios da última semana e querem agora mostrar a sua força na principal cidade francesa.

O movimento que tira o sono a Macron começou como um protesto contra a subida do imposto sobre os combustíveis, em especial o diesel, mas hoje representa um amplo mal-estar, não com a totalidade da política do Governo, mas também com a classe política tradicional.

Macron “insulta o seu povo”

Há pouco mais de uma semana, Cynthia, de 31 anos, começou a notar coletes amarelos em todo o lado. “Nenhum francês poderia deixar de os ver!”, disse ao PÚBLICO, numa conversa através do Facebook. Apesar de ter estudado Veterinária, Cynthia, que mora no Sul da França, trabalha num pequeno negócio em regime de part-time com um contrato a termo certo. Para si, o país vive “as vésperas de uma revolução” e não hesita em classificar Macron como um ditador.

“O senhor Macron acelera a queda do seu povo desde que foi eleito. Queremos uma mudança radical ou a demissão de Macron”, afirma Cynthia. Quando lhe perguntamos por que se tem manifestado, mostra uma lista interminável, que inclui impostos, medidas como o “aumento da idade da reforma” ou a extinção do imposto sobre as fortunas “para enriquecer ainda mais os ricos”. “E o Governo fica surpreendido por haver revolta”, lê-se no final da lista. A subida do imposto sobre os combustíveis foi apenas “a gota de água que fez transbordar o copo”, diz Cynthia.

Mas não são apenas medidas concretas, que fizeram Macron merecer o epíteto de “Presidente dos ricos”, que irritam os milhares que têm ocupado as estradas francesas. O Presidente é visto como alguém distante dos problemas da maioria da população e pouco empático com aqueles que passam dificuldades. Em Setembro, depois de falar com um jovem que disse estar desempregado, Macron respondeu-lhe que bastaria “atravessar a rua” para arranjar trabalho. Este e outros episódios são recordados constantemente pelos “coletes amarelos” para mostrar um Presidente insensível.

“Ele chama-nos gauleses! Ele chama-nos invejosos! Ele diz aos idosos que se queixam das reformas baixas que é preciso trabalhar mais. Ele chama-nos preguiçosos! Ele insulta o seu povo”, diz Cynthia.

No sábado, Cynthia pretende estar em Paris, respondendo aos apelos para bloquear a capital, e diz que os grupos se estão a coordenar para que “o máximo de pessoas possa ir”. Entre as acções planeadas está o “bloqueio de portagens nas auto-estradas, partilhar carros, entrar à força nos comboios”

Espremidos como limões

Bruno, um técnico informático de 54 anos, tem saído todas as noites para ajudar os companheiros envolvidos nos bloqueios. Tem percorrido a região de Aix-en-Provence, no Sul, e garante que “a maior parte das pessoas é contra a violência”. “Mas, em alguns sítios, há loucos que querem partir tudo”, admite. Desde sábado, quando participou num bloqueio no departamento de Hérault, onde vive, tem percorrido outras regiões vizinhas, como o Var. Por onde passa faz vídeos que publica no grupo de Facebook que integra.

Diz fazer parte dos “privilegiados” por não ser directamente atingido pelas medidas que revoltam os franceses. “Mas sou de esquerda e reconheço o sofrimento à minha volta e tenho uma consciência política”, explica ao PÚBLICO. O técnico nota “um ambiente político altamente degradado” e aponta o dedo a “uma oligarquia que tomou o poder em favor dos mais ricos e que nos espreme como limões para seu benefício próprio”.

Participar em manifestações ao lado de apoiantes da extrema-direita não é algo que incomode Bruno. “É o povo que marcha. A Frente Nacional é uma resposta a uma boa pergunta”, justifica.

Bruno não irá estar em Paris este sábado, mas vai participar em protestos na sua região. Apesar do calor das manifestações, os “coletes amarelos” pensam já nos seus objectivos políticos, embora transpareça ainda alguma desordem. Para Bruno, é necessário “mudar o sistema” político vigente.

“Há um início de um consenso forte em torno da VI República”, garante e sugere algumas prioridades. “No interior [é preciso] acrescentar o desenvolvimento dos territórios e sobretudo uma fiscalidade que alivie os mais pobres. A ecologia deve estar no programa se não nos penalizar tanto”, explica Bruno. O primeiro passo será a convocatória de uns “Estados gerais”, à semelhança do que aconteceu durante a Revolução Francesa, para refundar a República. “Sem uma gota de sangue derramado”, acrescenta.

Já Cynthia pede um “referendo popular” para destituir um Governo que considera ditatorial. “Queremos o poder do povo, pelo povo e para o povo”, afirma, adaptando as palavras de Abraham Lincoln em Gettysburg, durante a Guerra Civil Americana.

O que parece certo é que entre quem veste “colete amarelo” por estes dias em França, Emmanuel Macron não poderá continuar no Palácio do Eliseu. “O copo está cheio. O seu desprezo pelo povo foi a sua perdição”, declara Bruno.

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