Câmara do Porto quer reaver Quartel do Monte Pedral para construir habitação

Rui Moreira pediu ao ministro da Defesa, por carta, a devolução de duas parcelas de terreno com cerca de 25 mil metros quadrados

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O Quartel do Monte Pedral está fechado e ao abandono, diz Moreira Paulo Pimenta
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O edifício está num terreno que a câmara quer usar para habitação Paulo Pimenta
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Não há cavalos, só um tanque num dos espaços exteriores Paulo Pimenta
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O Centro de Saúde de Ramalde está pronto, mas ainda fechado Paulo Pimenta

O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, escreveu, esta segunda-feira, uma carta ao ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, pedindo a devolução dos terrenos em que está construído o Quartel do Monte Pedral para que o município os possa utilizar para construir habitação destinada ao arrendamento acessível. A revelação foi feita pelo autarca na sessão da Assembleia Municipal de segunda-feira à noite. Na mesma altura, Moreira disse duvidar da boa-vontade do Estado em vários processos que estão a correr na cidade, como o que envolve o novo centro de saúde de Ramalde ou a situação da pediatria no Hospital de S. João.

Rui Moreira foi confrontado pelo deputado municipal da CDU, Artur Ribeiro, sobre o facto de a câmara não ser “coerente” na forma como lida com o Estado central, por aceitar assumir responsabilidades que não lhe pertencem, em alguns casos, e não o fazer em outras. Artur Ribeiro deu como exemplos o facto de a autarquia ir assumir parte dos custos da recuperação do antigo Liceu Alexandre Herculano (“uma incumbência do Ministério da Educação”, disse) e do centro de saúde de Azevedo de Campanhã (Ministério da Saúde) e ter anunciado que iria comprar viaturas para a PSP (Ministério da Administração Interna) quando, em simultâneo, exige ao Estado – e bem, segundo o comunista – que assuma as competências que lhe são devidas em matéria de habitação social. “A câmara não pode fazer coisas que competem ao Estado e depois na habitação não fazer”, disse.

O presidente da Câmara do Porto disse “compreender” o argumento do deputado municipal, mas disse que a autarquia não está de braços cruzados. E deu como exemplo o pedido ao Ministério da Defesa para que devolva o quartel junto à Constituição que foi cedido, na primeira metade do século XX, ao então Ministério da Guerra para ali instalar um quartel de cavalaria. Na carta, a que o PÚBLICO teve acesso, Moreira lembra que as duas escrituras de cedência, de 1904 e 1920, tinham uma cláusula de reversão, que explicitava que “a cedência caducará logo que ao terreno ou à construção que sobre ele se fizer, for dado destino diverso do estabelecido”. Nesse caso, terreno e qualquer construção nele implantada, reverteria de imediato para a autarquia, sem qualquer direito a indemnização ao Estado central.

Aos deputados municipais, Moreira foi peremptório: “Não há lá cavalo nenhum, só um tanque abandonado.” Na carta ao ministro, o autarca lembra que nem ao terreno nem ao quartel é dado “o uso que justificou a sua cedência” e acrescenta: “É, por outro lado, evidente o estado de abandono das instalações, o que demonstra a actual inutilidade para o fim a que foram os terrenos cedidos e coloca vários problemas de índole social e urbanística que a cidade tende a não compreender”. Na AM, o presidente da câmara referiu: “Queremos que nos devolvam [o terreno]. São 25 mil metros quadrados”. Apelando a “todas as forças políticas” para o apoiar nesta questão, Moreira acrescentou: “Precisamos de terrenos para construir casas e este é o maior que temos e todo infra-estruturado”, disse.

O autarca não sabe ainda qual será a resposta do ministério a esta pretensão mas várias expectativas e acordos com o Governo não têm corrido pelo melhor, anunciou, dando o exemplo do novo centro de saúde de Ramalde, construído pela câmara no Bairro das Campinas.

Incumprimento de acordo

O problema, explicou, é que a câmara assumiu aquela obra, no âmbito de um protocolo assinado em 2016, com o Governo, e em que este, como contrapartida, se comprometia a entregar ao município um terreno na Rua de Justino Teixeira, para que este pudesse instalar ali o novo Campo Mário Navega já que o actual irá desaparecer com a construção do Terminal Intermodal de Campanhã. “Até agora, preparam-se para não querer entregar ao terreno”, garantiu o autarca.

Segundo Rui Moreira, o centro de saúde está pronto e a câmara está a pagar “cinco mil euros” a uma empresa de segurança para evitar que o equipamento seja vandalizado. O problema, diz, é que quando a Administração Regional de Saúde do Norte foi confrontada com a necessidade de cumprir a sua parte do acordo para poder receber a obra, esta terá comunicado à câmara que “é melhor falarem com o secretário de Estado do Tesouro”, disse o autarca. “Falei com a ministra da Saúde, não sabia de nada. Disse que ia saber. Até hoje, não sabia”. O presidente da câmara diz que, o problema é que o terreno, sendo do Estado, não pertencerá ao Ministério da Saúde. “É do Estado, mas ninguém sabe de quem é”, disse. O dilema com que o autarca confrontou os deputados municipais – sem obter resposta – foi o seguinte: “Pediram-nos a chave, para colocar equipamento no espaço. E eu pergunto: entrego a chave ou não? Esperamos que nos dêem o terreno? Acreditamos [no Governo]?”.

Ambulância para Pediatria

O autarca admitiu que a sua vontade era não entregar a chave, mas questionou como se explica isto às pessoas que aguardam há anos por aquele centro de saúde. E ainda acrescentou que, mesmo podendo ser vista como uma “cedência”, a câmara poderá assumir outras responsabilidades que competiriam ao Estado central. Como na compra de uma ambulância para transportar as crianças da Oncologia Pediátrica do Hospital de S. João para outros locais, já que disse ter “fortíssimas suspeitas da boa-vontade do Ministério da Saúde” no que concerne a esta estrutura.

“Está prometida desde Junho a reabilitação dos contentores [onde funciona a Pediatria do hospital, incluindo a Oncologia Pediátrica]. São 300 mil euros. Sabem o que foi feito? Nada. Não foi feito nada. A Câmara do Porto vai comprar uma ambulância se o Ministério da Saúde não comprar. Ai, vai comprar, vai. São 100 mil euros para uma ambulância. Isto não pode continuar e tem continuado de maneira indecente”, disse.

Numa noite com duas sessões consecutivas da AM, e em que os deputados aproveitaram para questionar o autarca sobre vários casos que têm marcado a cidade nos últimos meses, Rui Moreira garantiu ainda, em resposta à deputada municipal Susana Constante Pereira, do Bloco de Esquerda, que a autarquia “não vai desistir e vai porfiar” para exercer o direito de preferência sobre oito prédios da Fidelidade. “Não nos vamos conformar com o que parece uma simulação de negócio”, disse.

Sobre a situação dos sem-abrigo da cidade, levantada por várias forças políticas, Rui Moreira insistiu que tem de ser encontrada uma resposta “a nível metropolitano”, já que muitos dos sem-abrigo que existem no Porto são oriundos de outros municípios. Sobre o caso concreto das dez pessoas que estavam a pernoitar nas instalações da antiga escola do Cerco do Porto, o autarca garantiu que “a resposta social está garantida, com base no Hospital de Joaquim Urbano [onde funciona o Centro de Acolhimento de Emergência] e a Casa [que gere o restaurante social]”. No Joaquim Urbano foram criadas mais “cinco vagas” de acolhimento, disse.

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