Líder da associação de juízes: "Amanhã os tribunais vão parar"

Negociações entre o ministério e a associação sindical não chegaram a bom porto. Presidente da associação acredita numa "forte adesão" ao protesto.

Foto
Rui Gaudencio

O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Manuel Ramos Soares, não tem dúvidas: os tribunais vão mesmo parar amanhã, como consequência da greve que foi decretada depois de não ter existido um acordo entre a classe e o Ministério da Justiça.

Em causa estão sobretudo, mas não só, reivindicações relacionadas com salários e carreiras. Na véspera de terem sido marcados 21 dias de paralisações, o Ministério da Justiça ainda abriu a porta a negociações, que passariam por abolir a impossibilidade de os juízes com mais graduação ganharem mais que o primeiro-ministro. Mas estes contactos exploratórios, como lhes chama Ramos Soares, não chegaram a bom porto até agora.

"Estamos à espera de uma adesão à greve muito forte", declarou o dirigente sindical, em Lisboa, à margem de um dos plenários de juízes que tiveram lugar esta segunda-feira em vários pontos do país. Na manhã desta segunda-feira, noutro plenário no Porto, Ramos Soares dizia que a associação só cancelaria a greve apenas quando fossem ouvidas as exigências da classe. O mesmo responsável estima que tenham estado nestes plenários mais de cinco centenas de magistrados.

Um deles, Pedro Godinho, do Tribunal de Comércio de Lisboa, lamenta que não seja perceptível para a maioria dos cidadãos os motivos que estão na origem destes protestos: "Gostava que se percebesse o quanto importante é termos uma carreira atractiva". Desde logo para que sejam os melhores a ingressar na magistratura judicial, e para que não desistam ao fim de alguns anos. Com nove anos de profissão, ele próprio admite já ter pensado nisso: "Nunca repeti dois anos no mesmo tribunal. Além disso são muitas as horas de trabalho, e a família queixa-se."

Dinheiro à parte, o magistrado entende que estão a ser criadas condições para que, "havendo más intenções", o trabalho dos juízes e a sua independência possam vir a ser condicionados. Exemplo disso, aponta, é o facto de os juízes terem deixado de ter poder disciplinar sobre os funcionários judiciais com quem trabalham. Não sucedeu recentemente, foi já há vários anos. 

"Sendo mal pagos, do que retiramos algum consolo é da idoneidade que nos é reconhecida", observa. A sua colega Gabriela Marques transitou há pouco tempo dos tribunais cíveis para o Tribunal da Relação de Lisboa. Foi preciso esperar até chegar aos 25 anos de serviço, mas a subida na carreira praticamente não tem reflexos na conta bancária: "Fiquei a ganhar mais 30 euros", num ordenado que não chega aos três mil. 

Além do salário-base, os juízes ganham um suplemento de 640 euros a título de subsídio de residência, mas que serve para os compensar pelo facto de estarem proibidos de auferir outras remunerações que não as provenientes da magistratura. É o caso de Gabriela Marques: "Dou aulas de mestrado na Universidade Nova de Lisboa e não recebo rigorosamente mais nada por isso."

Ao contrário de Pedro Godinho, a recém-desembargadora já se conformou com a incompreensão mais ou menos generalizada da sociedade portuguesa para com os problemas da classe: "A população nunca vai perceber." 

Algumas das reivindicações passam, de facto, por questões muito próprias desta profissão. Como a muitos outros colegas, também a Gabriela Marques desagrada o dever de obediência dos juízes a instruções do Conselho Superior da Magistratura, o órgão de disciplina destes magistrados: "Poderá ser uma ingerência" na autonomia de que os juízes beneficiam. 

À greve de amanhã, que é geral, seguir-se-á uma sectorial na quarta-feira, que abrangerá os magistrados do Tribunal da Concorrência, do Tribunal Marítimo, do Tribunal da Propriedade Intelectual, os tribunais de execução de penas de Coimbra, Évora, Lisboa e Porto e os tribunais administrativos e fiscais de Almada e Aveiro. 

Sugerir correcção
Ler 8 comentários