As bruxas de Berlim

Luca Guadagnino quis fazer do clássico de Dario Argento, Suspiria, mais do que “apenas” um filme de género. Foi esse o seu erro, numa remake que tem ideias a mais e cabeça a menos.

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Talvez o melhor que se possa dizer desta nova encarnação de Suspiria seja que Luca Guadagnino não quis fazer uma simples remake do filme de Dario Argento. O original de 1977 era um tour-de-force esteta e estético, um filme onde a narrativa fantasmagórica servia apenas de pretexto para algo de visceral, uma experiência onde o espectador se abandonava ao bombardeamento caleidoscópico de cores, sons e corpos. Guadagnino e o seu argumentista, David Kajganich, reencontrando-se depois do passo em falso de Mergulho Profundo (2015 — já então uma remake falhada, para A Piscina), querem emprestar outra seriedade à história. Tudo se passa agora na Berlim de 1977, dividida pelo muro, numa “Alemanha no Outono” dilacerada pelos atentados da Facção Exército Vermelho e do grupo Baader-Meinhof. Mas mais valia terem ficado quietos: o seu Suspiria não peca por falta de ideias, peca pelo seu excesso e, paradoxalmente, pela paralisia de não saber o que fazer com todas.

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A história da “menina (literalmente) na mão das bruxas” — a jovem bailarina americana que chega a uma prestigiada academia de dança alemã e dá por si envolvida num pesadelo sobrenatural — é literalizada por Guadagnino e Kajganich de modo tão óbvio que até dói. Susie Bannion, que vem de uma comunidade fundamentalista e repressiva, encontra-se num lar de bruxas, literal e metafórico — um espaço inteiramente feminino, sem homens, cujo corpo docente tem poderes sobrenaturais e se alimenta do “sangue novo” que vai entrando. Mas mesmo neste “éden” demoníaco há uma luta surda pelo poder e pela direcção da academia, reflectindo o contexto sociopolítico em que Guadagnino e Kajganich situam o seu filme, entre continuação e ruptura, status quo e revolução.

Não é mal pensado responder ao formalismo cor de sangue de Suspiria 1977 com uma tonalidade plúmbea que remete para os “anos de chumbo” que se viviam, nem moldar a trama num filme de terror assumido, que reserva a Susie (naquela que é a melhor ideia do filme) um outro papel que não o imaginado por Argento e Daria Nicolodi. E há de facto algo de genuinamente interessante no modo como o corpo (feminino, sempre feminino) e o seu movimento são o centro do filme, geradores de vida e de morte pelo simples poder da sua presença. Ficasse Suspiria 2018 por aí e não seria mau filme. Só que, ao excesso grand-guignol de Argento, Guadagnino quis responder com um excesso tout court, e vá de reflectir a Segunda Guerra Mundial, o Holocausto, os traumas do pós-guerra, a culpa, a vergonha, o fundamentalismo, carregando o conto de fadas macabro de ganga e lastro que em nada o servem. Luca Guadagnino quis fazer de Suspiria mais do que “apenas” um filme de género. Foi esse o seu erro. Talvez não fosse má ideia o rapaz abster-se de fazer remakes.

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