Alzira é uma das últimas moradoras da Rua Augusta. Mas por pouco mais tempo

Alzira vive há quase 50 anos numa das ruas mais emblemáticas da capital. Tem de sair de casa até Fevereiro, porque o senhorio já disse que não queria renovar o contrato de arrendamento. Mas a lei protege-a até 31 de Março.

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Daniel Rocha

Alzira Paixão foi viver para a Rua Augusta, quando os eléctricos ainda chiavam por ali fora. Já lá vão quase 50 anos de uma “vida feliz”, agora atormentada pelas más notícias que lhe chegaram pelo correio: até Fevereiro tem de entregar as chaves ao senhorio e esvaziar a casa de sempre. 

É um quarto andar, águas furtadas, numa das mais emblemáticas ruas da capital, onde mora apenas ela e outro senhor. Para lá chegar, é preciso subir vários lances de escadas, uma tarefa cada vez mais difícil tendo em conta os 73 anos de Alzira. “Não é que aquilo seja confortável. São os anos que eu estou ali. Recordações que eu tenho. Fui muito feliz ali”, lamenta.

Alzira chegou a Lisboa com 25 anos, depois de ter crescido numa aldeia perto de Góis, em Coimbra, para trabalhar num armazém de reciclagem em Marvila. Ela, com o primeiro marido, que só vira uma vez antes de se mudar para a capital e com quem já se casara pelo civil, eram os porteiros desse armazém, quando aquela zona da cidade era um grande complexo fabril.

Acabou por ficar viúva muito cedo, mas havia de voltar a casar-se com Augusto Paixão, que nasceu naquela casa da Rua Augusta. “Fui ali muito feliz”, repetiu, uma e outra vez, Alzira. 

As más notícias chegaram em Novembro do ano passado, quando o novo senhorio —que o PÚBLICO tentou, sem sucesso, contactar — enviou uma carta a informar que teria de deixar a casa até Fevereiro de 2019. 

O prédio pertenceu à Tranquilidade e fez parte do lote dos mais de 80 imóveis que a seguradora vendeu nos últimos anos. Hoje, afixado na fachada, um aviso indicia que aquela face mudará: está em apreciação na câmara de Lisboa um pedido de licenciamento para obras de alteração/ampliação.

Baixa deserta

O marido morreu-lhe há 16 anos. A casa ficou sempre em nome da sogra, até há cinco anos, quando o contrato de Alzira transitou para o Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU). Nessa altura, a casa passou também para seu nome e a renda foi actualizada, passando dos 40 para os 221 euros.

Apesar de a casa estar apenas em seu nome há cinco anos, Helena Roseta, deputada independente do PS, e que coordenou até ao final de Outubro o grupo de trabalho parlamentar sobre habitação, acredita que Alzira se enquadra na moratória, aprovada em Maio e em vigor desde 17 de Julho, que protege arrendatários idosos ou com deficiência que habitem nas casas há mais de 15 anos. “É para casos como este que a moratória foi feita”, nota a deputada. Os prazos ficam suspensos até ao final da moratória, 31 de Março, “independentemente dos termos do contrato”, vincou a deputada. 

Nos últimos anos, grande parte das freguesias lisboetas foi perdendo eleitores, sendo esse decréscimo mais notório nas do centro histórico. Em Santa Maria Maior, onde se insere a Rua Augusta, a freguesia perdeu mais de 2000 eleitores desde 2013, o que, como tem referido o presidente da junta, Miguel Coelho, representa perto de 17% da população.

O elevador da Sé 

Como cresceu “na aldeia”, Alzira diz que não se “desenvolveu” nada. Quando chegou a Lisboa, já tinha deixado para trás o sonho de ser professora. A vida no campo não tinha permitido que prosseguisse com os estudos. O pai morreu-lhe cedo e era preciso tomar a conta da casa. É por isso que hoje aproveita todas as aulas da Universidade Sénior de Santa Maria Maior. É assim que vai ocupando os dias, entre as lições de História de Lisboa, Psicologia, Informática, Saúde, de ginástica e de Tai Chi. “É aquilo que não tive em nova e que desejava ter tido”, diz Alzira. 

Em Lisboa, as coisas foram-se encaminhando. Depois de anos como porteira, acabou por passar para os escritórios da empresa. Depois comprou as quotas do armazém, acabando por ficar com uma loja junto às Escadinhas das Portas do Mar. Nessa loja, acabaria por montar uma frutaria, que depois trespassou. Mas, em 2015, acabou por ter de vendê-la à câmara de Lisboa para a construção de um elevador que ligaria o Campo das Cebolas e a Sé de Lisboa. O município ofereceu-lhe 20 mil euros. Se não aceitasse o valor, a autarquia poderia partir para a expropriação, o que Alzira queria evitar.

Pegou nesse dinheiro e empregou-o num armazém. A sua ideia era, mal começasse a funcionar o elevador, criar ali um negócio que lhe pudesse dar algum conforto financeiro. Só que as obras do elevador pararam, a loja ficou “aos ratos”, atira Alzira, e o investimento está ali empatado.

Foi isso que expôs, perante o executivo municipal, na última reunião descentralizada da autarquia, dedicada a ouvir os munícipes da Baixa. Foi perguntar se a câmara lhe podia voltar a arrendar a loja que tinha sido dela. “Era o pão para a minha velhice. Mas teve que ser para o bem público”, lamentou perante o presidente da câmara, Fernando Medina. E propôs, à autarquia que lhe arrendasse aquele espaço, enquanto as obras do elevador não recomeçam. “A loja dava-me um T3 e dava muito bem para eu morar”. Como a filha mora no andar de cima, teria também ali o seu acompanhamento, advogou Alzira.

De Fernando Medina ouviu que a obra do elevador recomeçará em breve e que os serviços se encarregariam de verificar se há ali alguma loja municipal que lhe pudesse ser arrendada, onde Alzira pudesse montar algum negócio. “Habitação não a temos ali”, disse-lhe Medina.

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