Dá Licença, que há umas artes que se fizeram hotel no Alentejo

Uma colecção de arte do Norte da Europa encontra no Sul de Portugal, por entre as oliveiras e o mármore, um lugar onde encaixa na perfeição: uma guesthouse na qual quadros, móveis, fotografias, paisagens e arquitecturas nos entram pelos dias, serenamente, como se sempre tivessem feito parte deles.

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Chegamos ao Dá Licença, a sete quilómetros de Estremoz, a meio da manhã de um dia frio, que ameaça chuva. Mas é mais tarde que essa ameaça se irá concretizar. Por enquanto, no céu alentejano dominam nuvens dramáticas, bem desenhadas, que só tornam a paisagem mais bela.

A guesthouse fica num ponto elevado do qual conseguimos ver toda a paisagem à nossa volta. Oliveiras, muitas, cobrem as colinas de ondulação delicada. São 120 hectares de terreno, treze mil oliveiras, a serra d’Ossa, Evoramonte e Estremoz ao longe, numa área que pertence à Reserva Ecológica Nacional.

O francês Franck Laigneau, que é, juntamente com o português Vítor Borges, proprietário do Dá Licença, veio receber-nos, oferece-nos um café e um bolo caseiro e convida-nos a ver a paisagem. Distraímo-nos um instante com um horizonte tão largo, mas logo a atenção se concentra em algo mais próximo: a extraordinária piscina redonda recortada na pedra no espaço à nossa frente.

Há qualquer coisa de lunar nessa paisagem, o espelho de água percorrida, como um arrepio, por uma agitação leve causada pelo vento, o chão coberto de pequeninas pedras brancas das pedreiras de mármore da região, e, em círculos aqui e ali, limoeiros e laranjeiras saindo do solo de pedra, braços fortes erguidos para o céu.

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Essa área é rodeada por um muro antigo, o mesmo, explica-nos Franck, que no passado rodeou a horta e o pomar que aqui tinham as freiras do Convento das Maltesas, em Estremoz. Mais tarde, a propriedade passou para as mãos de uma cooperativa que fazia azeite a partir da enorme extensão de olival. Ainda existe, dessa época, o lagar, agora recuperado pelos actuais proprietários, que ali planeiam abrir um restaurante em 2019.

“Quando [na execução do projecto do atelier Procale] começámos a escavar para fazer a piscina”, continua Franck, “encontrámos rocha, por isso decidimos desviar um pouco a piscina e deixar a pedra à vista.” Colocaram também grandes placas de mármore. “Quisemos deixar um lado mineral, orgânico. Esta é uma paisagem que conta uma história.”

A utilização do mármore da região é um ponto importante para os donos do Dá Licença. Nos quartos, várias peças, dos lavatórios às prateleiras nas casas de banho, são feitas de mármore e desenhadas por Vítor, que, depois de ter passado pela Louis Vuitton, Chanel, Armani e Prada, foi director-geral do departamento de têxteis e sedas da Hermès. Um dos detalhes mais bonitos é a alta parede de mármore nos pátios dos quartos que dão para a piscina – a placa fina de pedra é muito docemente atravessada pela luz do sol, deixando-nos a pensar se será a pedra ou a luz o elemento mais poderoso.

Tinham-nos avisado que era necessário algum tempo para perceber – e para viver – um local como o Dá Licença. E é verdade. Depois do deslumbramento inicial com a paisagem, é preciso determo-nos nos pormenores – e é nisso que, ao longo de dois dias, Franck e Vítor nos vão guiando.

Nunca temos a sensação de estar num museu e, no entanto, a maioria dos objectos que decoram o Dá Licença – composto por três edifícios, com cinco suítes e três quartos – são peças de museu. Para perceber o que nos rodeia, no entanto, é importante conhecer a história de Franck, que durante vários anos teve, em Paris, uma galeria especializada em duas correntes artísticas muito particulares: a Judendstil (ligada à Arte Nova, mas sobretudo na Alemanha, Noruega e Finlândia, sendo que Franck se especializou nestes dois países) e o movimento antroposófico, do austríaco Rudolf Steiner (o mesmo das escolas Waldorf).

Percorremos o espaço e Franck vai-nos transportando pela história das diferentes peças, sublinhando que o que ele e Vítor pretenderam sempre foi que o Dá Licença “tivesse o conforto de um hotel” e que, por outro lado, houvesse um diálogo entre as peças da Judendstil e do movimento antroposófico e outras portuguesas, de preferência alentejanas, que tivessem um lado artesanal.

“Uma das nossas preocupações era como pôr aqui estes mundos diferentes. [A colecção de arte] já é uma viagem pelo mundo. Como fazer com que as pessoas saibam que estão no Alentejo e em Portugal?”, questiona o antigo galerista. O facto é que, de forma quase natural, essa aproximação vai acontecendo. Nos quartos e nas salas, vamos encontrando sinais desse diálogo entre mundos quando, por exemplo, temos uma peça de madeira esculpida e de tapeçaria do artista e dançarino francês Jonnhy Ludécher, e uma cadeira de parto, rústica, em madeira, que Franck descobriu em Portugal.

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E tudo se encaixa na nossa estadia no tempo certo. Tal como os enchidos da dona Octávia aparecem durante o jantar e entram na nossa conversa, daí a pouco esta desvia-se para as marcantes fotografias a preto e branco do austríaco Albert Rastl (anos 30) nas quais os homens dobrados sob o peso das sacas de cereais que carregam às costas fazem lembrar o Alentejo de antigamente. 

Falamos do trabalho de Vítor na Hermès e vamos até à biblioteca para vermos um livro sobre um dos artistas com quem colaborou; passamos para a casa de banho e distraímo-nos a observar um pedaço de um friso que estava numa estação de comboios de Copenhaga, uma obra de Ejnar Nielsen, artista dinamarquês nascido no final do século XIX; vamos conhecer a suíte Le Rock e deparamo-nos com um impressionante trabalho de arte têxtil da holandesa Lieva Boesten junto da banheira; vamos para o nosso quarto e encontramos uma série de troncos nus, unidos por pulseiras de metal trabalhadas, obra de um amigo alentejano.

No dia seguinte, depois de uma noite de chuva intensa, tomamos, na sala do cubismo, o pequeno-almoço – pães, doces caseiros, queijo fresco de Borba, iogurte grego com maracujá e nozes. Quando terminamos, Franck vem-nos buscar para conhecermos o espaço do antigo lagar e futuro restaurante. Entramos por uma zona que está a ser usada como pequena galeria (tem um extraordinário berço em madeira vindo de uma escola na Suíça), mas que tem ao centro um trapézio, outra das paixões de Franck. A seguir, a sala de refeições, que dá para uma zona exterior onde, quando não chover, haverá também cadeiras e mesas. A ideia é que o restaurante não seja apenas para hóspedes, mas que se abra a pessoas de fora e que faça uma cozinha baseada nos produtos e sabores da região.

Quando chegaram a Portugal com o objectivo de encontrar um sítio para viver, Franck e Vítor visitaram diferentes locais do Alentejo, mas pararam quando chegaram a Estremoz porque aqui encontraram um equilíbrio: é campo, mas Estremoz fica a dois passos e é uma cidade “que tem vida todo o ano, com uma nova geração criativa, que faz vinho, há adegas, projectos de pessoas com 30, 40 anos”.

Isso, e a luz especial no cimo daquela colina ao final do dia, com as curvas suaves da paisagem a desenharem o horizonte, deixaram-nos convencidos de que este era o lugar certo. Era esta a “autenticidade e verdade” que procuravam. A colecção de arte encontrara a sua casa.

A Fugas esteve alojada a convite do Dá Licença

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