Crise dos rohingya: Suu Kyi sob pressão na cimeira do Sudeste Asiático

Vários líderes asiáticos perderam a confiança no Governo liderado pela prémio Nobel da Paz na Birmânia. Reunião em Singapura expõe tensões no bloco regional, que pode dividir-se em termos religiosos.

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A líder do Governo da Birmânia, Aung San Suu Kyi, está debaixo de fogo por causa da crise dos rohingya Reuters/DAVID GRAY
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Refugiada rohingya no Bangladesh mostra marcas de tiros nos braços Reuters/CLODAGH KILCOYNE

Esta semana, em Singapura, a habitual cordialidade sentida nas cimeiras do sudeste asiático pode estar comprometida quando os líderes regionais se encontrarem, relativamente às incompatibilidades sobre a Birmânia, onde os militares foram acusados de genocídio contra a minoria muçulmana rohingya.

A líder birmanesa, Aung San Suu Kyi, deve comparecer na cimeira de Singapura, realizada entre 11 e 15 de Novembro, e o primeiro-ministro da Malásia, Mahathir Mohamad, um célebre membro do grupo, já deixou o aviso de que perdeu a confiança na Nobel da Paz, devido à crise dos rohingya.

"Deixámos bem claro que não a apoiamos mais", disse Mahathir, numa entrevista ao canal de notícias turco, TRT World, há pouco mais de um mês.

"A política que praticamos na ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático) é de não-interferência nos assuntos internos dos países, mas isto é totalmente injusto", disse Mahathir.

A crise dos rohingya é um dos maiores desastres a envolver um dos membros do bloco regional desde que a ASEAN foi fundada, em 1967, e é um dos assuntos mais delicados enfrentados por um grupo que, tradicionalmente, trabalha por consenso.

Muitos diplomatas e activistas dos direitos humanos dizem que a credibilidade da ASEAN pode ser posta em causa, caso não consigam encontrar uma solução. Em Agosto, um relatório da ONU alertou para os assassínios em massa e violações colectivas, com intenção genocida durante uma ofensiva militar que começou em 2017 e levou centenas de milhares de rohingya a fugirem para o Bangladesh.

A indignação face ao que as Nações Unidas definiram como "limpeza étnica" levou a que vários países exigissem que os responsáveis fossem acusados judicialmente e sancionados.

"A credibilidade da ASEAN e a sua reputação internacional seriam fortemente prejudicadas caso a associação permaneça indiferente à crise que se faz sentir em Rakhine", disse Kavi Chongkittavorn, ex-assessor do secretário-geral da ASEAN e veterano jornalista tailandês que trabalhou na Birmânia.

A crise dos rohingya surge numa conjuntura política delicada numa região que tem lutado por uma maior integração económica face ao crescimento do proteccionismo e à disputa comercial entre os EUA e a China.

Os Estados-membros maioritariamente muçulmanos da ASEAN, Malásia, Indonésia e Brunei, tendem a assumir a posição mais dura face à tragédia dos rohingya, mas a Birmânia conta com o Camboja, Laos e Vietname como aliados. Sob o controlo militar nos últimos anos, o Governo da Tailândia também tem dado protecção à Birmânia.

Durante um encontro em Hanói, em Setembro, o primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, disse que os países fora da Indochina são demasiado críticos com a política regional e não compreendem verdadeiramente o que se passa na Birmânia.

Escrutínio desconfortável

Richard Horsey, um ex-diplomata da ONU na Birmânia e analista político em Rangum, disse que os líderes estrangeiros presentes na cimeira de Singapura vão fazer algumas questões difíceis sobre a Birmânia.

Ao longo da semana, espera-se que o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, o Presidente russo, Vladimir Putin, o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi e o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, marquem presença na reunião com os membros da ASEAN.

"Para além deste escrutínio desconfortável, e uma possível distracção de outras prioridades da ASEAN, alguns líderes também se preocupam com o risco de o grupo se dividir em termos religiosos", disse Horsey.

Singapura irá presidir à reunião e o seu papel quanto ao tom da cimeira será crucial.

Uma fonte anónima próxima das discussões pré-cimeira afirmou que Singapura vai assumir um papel de destaque, sendo que é o membro com mais relações internacionais da ASEAN e está preocupado em manter a sua credibilidade.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros de Singapura disse esperar que os líderes da ASEAN discutam a crítica situação no estado de Rakhine.

"No entanto, a responsabilidade de alcançar uma solução política abrangente, viável e duradoura para a crise dos rohingya é do Governo da Birmânia e das partes interessadas", disse uma porta-voz, numa resposta enviada por email à Reuters.

No início do ano, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Vivian Balakrishnan, disse que o grupo solicitou à Birmânia que autorizasse uma comissão de inquérito para responsabilizar os causadores da crise no estado de Rakhine. Foi um recrudescimento da linguagem que anteriormente estava focada no repatriamento de pessoas desalojadas e na reconciliação entre comunidades.

"A mudança na linguagem, especialmente os recentes apelos por mais responsabilidade, reflectem que a ASEAN vê a situação da Birmânia como um indicador da sua própria responsabilidade ao lidar com um membro desobediente”, disse Moe Thuzar, investigador especialista em assuntos da ASEAN e da Birmânia, do Instituto de Estudos do Sudeste Asiático de Singapura.

Uma fonte do Governo na Tailândia, que assume o secretariado da ASEAN no próximo ano, também afirmou que a credibilidade do grupo estava em risco, especialmente depois da denúncia da crise de Rakhine feita pela ONU. Uma terceira fonte próxima das discussões concordou que este assunto "é um problema, e há plena consciência de que é um problema".

Myo Nyunt, porta-voz da Liga Nacional pela Democracia de Suu Kyi, garantiu que a Birmânia não deixaria de abordar o assunto na cimeira. "Aceitamos que existam pontos de vista diferentes mas temos que tomar decisões o futuro com base na situação real do nosso país. Quero que entendam que existem algumas questões que não conseguimos resolver”.

Suu Kyi disse previamente que o seu Governo civil não devia assumir a responsabilidade total pela crise face ao papel político influente que os militares mantêm ao abrigo da Constituição.

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