“A economia da atenção está a manipular as pessoas”

Há soluções possíveis para o problema da desinformação. Mas não são fáceis, nem rápidas — e muito menos perfeitas. O PÚBLICO acompanha as principais ideias em debate na Web Summit.

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"Precisamos de voltar a ensinar os jovens a pensar e não o que pensar. Ter raciocínio analítico, questionar a informação”, alertou esta terça-feira Ana Brnabic, primeira-ministra da Sérvia, no decurso de um painel da Web Summit sobre desinformação REUTERS/Paul Hackett

Mais regulação por parte dos governos, mais responsabilidade por parte das plataformas online, mais pensamento crítico por parte dos jovens, e um modelo de negócio que permita uma imprensa forte — as possíveis soluções foram avançadas, com dúvidas e ressalvas, num painel da Web Summit que se propôs responder a uma questão complexa: “Podemos travar a ascensão das notícias falsas?”

No palco central da conferência estavam sentados David Pemsel, presidente do Guardian Media Group (dono do jornal britânico com o mesmo nome); Mitchell Baker, a presidente executiva da Mozilla, uma organização sem fins lucrativos responsável pelo navegador Firefox e por outras ferramentas para a Internet; e Ana Brnabic, a primeira-ministra da Sérvia. Foram entrevistados pelo editor de media do Financial Times, Matthew Garrahan, ao longo de 20 minutos que não chegaram para aprofundar uma questão para a qual têm vindo a ser procuradas respostas desde que, há dois anos, o referendo do "Brexit" e a eleição de Donald Trump tornaram clara a capacidade das redes sociais para condicionar opiniões e votações.

“A economia da atenção está a manipular as pessoas, levando-as ao que há de pior na natureza humana”, afirmou Mitchell Baker. Referia-se à luta pelo tempo dos utilizadores da Internet, que é constantemente travada por todo o tipo de serviços online (comunicação social à mistura) com o objectivo de mostrar publicidade.

Baker não se mostrou optimista. “Estamos a começar a perceber isso agora. Pode ser corrigido, mas vai demorar muito tempo”, disse, notando que as mudanças por parte das plataformas online e a regulação por parte dos governos é algo “que não estamos perto de conseguir”.

Ana Brnabic, por seu lado, disse ter muitas reservas quanto a possível regulação. “Seria muito, muito cautelosa com a regulação. A sobreregulação leva a sociedades mais fechadas e em geral não é boa para a democracia”, afirmou a governante, que assumiu o Governo da Sérvia no ano passado, depois de concorrer como independente. 

Brnabic argumentou ser necessário investir mais na educação e na literacia. “Não apenas por causa das notícias falsas ou da política do pós-verdade. Precisamos de voltar a ensinar os jovens a pensar e não o que pensar. Ter raciocínio analítico, questionar a informação.” 

"Há um modelo de negócio na viralidade"

Já David Pemsel, do Guardian, reconheceu os problemas que há cerca de duas décadas afligem os meios de comunicação social. Com a massificação do acesso à Internet, a imprensa perdeu o quase monopólio que tinha na transmissão de informação. O mundo online veio também minar um modelo de negócio assente em publicidade: o dinheiro dos anunciantes tem sido canalizado para serviços como o Google, o Facebook e o Twitter, e surgiram inúmeros sites que se esforçam por ter grandes quantidades de tráfego de forma a explorar publicidade barata.

“Há um modelo de negócio na viralidade. Há negócios que encontraram formas muito, muito eficientes de monetizar e escalar”, observou Pemsel.

O executivo disse haver "uma contradição" entre a necessidade de informação de qualidade e "os meios para ter essa qualidade financiada". E referiu que as plataformas online tendem a pensar nesta questão como um problema para a imprensa resolver. “Se for uma plataforma, diz: ‘Isto não é o nosso  problema. Temos um modelo de negócio muito bem sucedido. É um problema dos media.’”

“As intervenções precisam de vir dos Governos ou das administrações destas empresas”, acrescentou, defendendo que as plataformas online poderiam canalizar esforços para objectivos que não sejam apenas os de negócio. E usou um palco onde a tecnologia é glorificada para lançar a questão: “Podemos pôr recursos de engenharia a resolver alguns problemas da sociedade?”

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