Sobre o IVA das touradas

Sou defensor das touradas, mas acho que o IVA não é um problema político que nos deva inquietar.

Talvez o debate político tenha ficado anestesiado pelo desempenho de António Costa; talvez Rui Rio esteja a seguir a estratégia do lugar do morto; talvez os partidos mais à esquerda estejam na situação de ambicionarem meter a mão na massa; talvez o CDS esteja a caminhar tão lateralmente que lhe possa garantir uma parte do eleitorado mais à direita, mas que o afastará do poder. Talvez tudo isto seja verdade e, talvez por isso, as afirmações da ministra da Cultura sobre a “festa brava” tenham ganho uma dimensão que não merece.

1. Há, no Parlamento, uma maioria de deputados que entende a importância cultural da tourada na vida portuguesa, uma maioria que se afirmou em várias circunstâncias e perante iniciativas reincidentes do PAN e do BE.

Essa maioria não é resultado de uma só posição sobre a “festa”. Neste universo de parlamentares haverá muitas leituras, umas mais aficionadas, como é o meu caso, outras mais suportadas na assunção multifacetada da nossa comunidade lusa.

2. O Governo negociou com o PAN uma outra circunstância – a alteração da taxa do IVA para estas manifestações. Não se trata de tomar uma posição sobre as touradas, não se trata de determinar uma sentença de morte sobre esta realidade.

O IVA benévolo, que acontece em muitas áreas, deve ser ponderado tendo em conta a realidade. Para mim, o IVA dos livros deveria ser 0% numa comparação com 6% do IVA das touradas; o IVA das touradas deve ser uma opção numa perspetiva global da tributação, deve ser ponderado em cada exercício.

3. Claro está, tanto o PAN como o BE entendem que este sinal do Governo é um primeiro passo para o fim da “festa”, um sinal de que o PS dos ministros é diferente do PS dos deputados ou dos autarcas. Não o creio, até porque adivinho que no Ministério da Agricultura não se seja muito partidário da visão de sociedade que PAN e BE nos vão anunciando.

A “festa”, a caça e a pesca, o folclore, a música popular, os jogos tradicionais, a matança, os magustos, os arraiais, tudo isto é diferente da “biodança” que mobiliza André Silva ou do yoga que implica José Manuel Pureza.

4. Graça Fonseca é ministra da Cultura. E como os grandes ministros desta área quer deixar uma marca. E se há um universo em que a sensibilidade, o saber intrínseco, a leitura do mundo ou a vida vivida determinam as opções governativas é mesmo o da Cultura.

Concedo que a ação governativa desenvolvida por cada ministro é mesmo o que resultar da sua própria cultura.

Graça Fonseca, ao afirmar que a “festa brava” é um problema de civilização, tem razão. Haverá um dia em que a tourada deixará de existir, que a caça e a pesca deixarão de ser atividades praticadas como desporto. É inevitável.

5. A pergunta que me podem colocar é, pois, a da minha coerência. Sou defensor das touradas, mas acho que o IVA não é um problema político que nos deva inquietar. Sou defensor das touradas, mas antecipo o seu fim. Sim, sou defensor de um ideal de país, mas esse país deixará de existir num tempo muito próximo. A urbanização que se verificará nas próximas décadas eliminará o país rural, as suas vidas e símbolos. A liofilização das sociedades criará uma outra visão da alimentação, da vida familiar, das relações pessoais.

Tudo o que vai acontecer, quer queiramos quer não, será bom ou mau? Será uma coisa diferente, será um mundo que os nascidos antes da internet talvez não compreendam, mas que é bem percebido pelos millennials, dos y’s ou dos z’s, e por todos os seguintes.

Haverá um dia em que uma galinha será uma drageia, uma tourada será um jogo projetado num braço por “nanophone”. O mundo novo está aí. Dizem que será o fim. Eu direi que será o início. E mesmo assim continuo a gostar de touradas...

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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