É possível reduzir mais depressa a dívida pública

Mesmo que quisesse, Portugal enfrenta dificuldades técnicas em amortizar antecipadamente os referidos 16,7 mil milhões de euros de dívida pública.

Em Abril de 2011, o Governo de Portugal solicitou um resgate às autoridades europeias e ao FMI. Esse pedido de resgate foi exigido pelas autoridades europeias após o chumbo parlamentar de um programa de austeridade antes negociado com o Governo português, o famoso PEC 4. O resto da história é conhecida.

Muitos portugueses continuam convencidos que, em 2010-2012, Portugal viveu uma crise de dívida soberana. Mas se é assim, por que não se continua a falar hoje de crise de dívida soberana? De facto, no final de 2010, o país tinha um nível de dívida pública (óptica de Maastricht) de 96% do PIB (179,8 mil milhões de euros) e no final de 2017, o nível de dívida pública representava 125% do PIB (247,5 mil milhões de euros). Neste período, a dívida pública cresceu 37,7% em termos nominais e quase 29 pontos percentuais do PIB, não obstante receitas de privatizações de quase 10 mil milhões de euros que em teoria serviriam para abater à dívida pública!

Os factos têm uma maneira rude de se intrometer pelo meio das narrativas…

Ou seja, se tínhamos um problema de dívida pública em 2010, o problema agravou-se desde então, pelo que analisando o programa de resgate exclusivamente segundo este critério, perspectiva redutora e incompleta, diga-se, ter-se-ia de concluir que o programa de resgate da União Europeia e do FMI falhou.

Porque não reduzir já, em 2019, a dívida para 110% do PIB?

Portugal tem o terceiro maior nível de dívida pública da Zona Euro.

Mas dispõe de uma enorme almofada financeira, isto é, de disponibilidades líquidas sobretudo na forma de depósitos junto do Banco de Portugal e da banca comercial. De acordo com dados do Banco de Portugal, os depósitos das Administrações Públicas representavam 24,5 mil milhões de euros, no final de 2017, isto é cerca de 12,6% do PIB. Em Agosto de 2018, essas disponibilidades tinham aumentado para 28,8 mil milhões de euros (14,6% do PIB). É, aliás, interessante constatar que, durante os anos da crise, a almofada financeira permaneceu em níveis elevados chegando a atingir 40,6 mil milhões de euros em Maio de 2012. Tanta crise e tanto dinheiro parado e a pagar elevados juros!

Há vantagens significativas em reduzir a dimensão da almofada financeira

Afigura-se que um dos benefícios mais importantes de saldos orçamentais primários elevados e de contas públicas com défice perto do zero é a possibilidade de reduzir a dimensão da almofada financeira, da almofada de pedra de que falava Viriato Soromenho Marques em 2014.

Por um lado, ao apresentar contas públicas equilibradas, o Estado somente precisa de pedir emprestado nos mercados para refinanciar a dívida pública transaccionável que chega à maturidade (o que não altera, como é evidente, o nível global da dívida e até tem efeitos favoráveis se a taxa de juro da nova dívida pública for mais baixa, como ocorre no presente).

Por outro lado, se a almofada financeira fosse reduzida dos 28,8 mil milhões (valor em Agosto de 2018) para, por exemplo, uma média de 8 a 10 mil milhões de euros em 2019 (i.e., 4 a 5% do PIB), amortizando 16,7 mil milhões de euros de dívida pública, o valor da dívida pública baixaria de 121% do PIB no final de 2018 para 110% do PIB no final de 2019 (e não para 118% como previsto pelo Governo) colocando o rácio de dívida pública de Portugal mais próximo do de Espanha, França e Bélgica (países com dívida pública em torno de 100% do PIB). Ora, esta descida no stock da dívida teria a vantagem não somente de reduzir a despesa com juros em 300 ou 400 milhões de euros por ano, mas também de se repercutir favoravelmente nas taxas de juro da dívida pública portuguesa de maturidades mais curtas aproximando-as das de Espanha, resultando em poupanças adicionais na despesa com juros.

É importante debater estes assuntos

A dimensão da almofada financeira é, pois, um tema que, pelas suas significativas repercussões nas contas públicas e nas contas externas do país, merece ser debatido.

Todos os Estados possuem disponibilidades líquidas para fazer face a obrigações financeiras imprevistas. A questão é: qual o nível apropriado dessas disponibilidades ponderados riscos, custos e benefícios?

O Governo e o IGCP planeiam todos os anos uma redução da dimensão da almofada financeira que depois não se verifica. Será prudente, por certo, mas tem custos para o país. E não será excessivamente prudente?

É difícil reduzir o nível de dívida pública mais depressa do que o previsto

Por paradoxal que possa parecer, mesmo que quisesse, Portugal enfrenta dificuldades técnicas em amortizar antecipadamente os referidos 16,7 mil milhões de euros de dívida pública, dificuldades que, de modo breve, se referem a seguir.

Por um lado, Portugal não deve interromper as emissões de dívida nos mercados durante um ano, dessa forma reduzindo a dimensão da almofada financeira.

As emissões de dívida devem continuar em 2019 porque o acesso continuado aos mercados financeiros é necessário para refinanciar o stock de dívida da República no futuro.

Por outro lado, é também importante aumentar o volume de dívida pública denominada em euros e transaccionada nos mercados para que o país possa beneficiar plenamente do programa de expansão quantitativa do BCE. No final de 2018, o Eurosistema deixará de adquirir mais dívida (expansão do balanço) mas continuará a manter aproximadamente constante o nível de dívida pública e de dívida de instituições multilaterais europeias no balanço durante os próximos anos. Quando parte desta dívida chegar à maturidade, o BCE e o BdP irão utilizar os proveitos para continuar a adquirir dívida pública transaccionável. Mas estas novas aquisições de dívida estão limitadas a 33% do stock de dívida transaccionável denominada em euros. Como Portugal tem relativamente pouca dívida pública transaccionável, o BCE e o BdP adquiriram, até agora, somente cerca de 3/4 da dívida pública portuguesa a que Portugal teria direito de acordo com a sua percentagem no capital no BCE. Por conseguinte, interessa a Portugal continuar a emitir dívida pública transaccionável denominada em euros.

Outra dificuldade resulta do facto do IGCP – como é referido na sua apresentação a investidores – controlar apenas uma parte das disponibilidades líquidas das Administrações Públicas, prevendo dispor de 8 mil milhões de euros no final de 2018, de um total de 28,8 mil milhões de euros de disponibilidades líquidas em Agosto de 2018, encontrando-se a parcela restante sob a responsabilidade das Administrações Públicas, nomeadamente, da Segurança Social.

Por conseguinte, que dívida amortizar se fosse tomada a decisão de reduzir a dimensão da almofada financeira?

Como referido acima, o IGCP teria de continuar a “ir aos mercados”, emitindo dívida transaccionável como até ao presente.

Nestas condições, parecem possíveis duas soluções.

A primeira solução – que se afigura a mais positiva porque teria maior efeito na redução da despesa anual com juros – seria amortizar, com o dinheiro retirado da almofada financeira, dívida transaccionável de longo prazo (com taxas de juro mais elevadas), adquirindo-a no mercado secundário a investidores do sector privado.

Esta seria uma operação tipo “twist” – venda de dívida com maturidades curtas e aquisição de dívida com maturidades longas – operação que o BCE está a ponderar realizar no futuro próximo. A Reserva Federal dos EUA realizou, com sucesso, uma operação “twist” entre Setembro de 2011 e Dezembro de 2012, resultando numa queda das taxas de juro de longo prazo para níveis historicamente baixos.

O Estado, através do IGCP, poderia fazer uma oferta de aquisição (“bid”) permanente no mercado secundário de todas as maturidades acima de 8 anos, representando um stock total de dívida pública de cerca de 38 mil milhões de euros, definindo um tecto para as taxas de juro nessas maturidades, até que fossem adquiridos os tais 16,7 mil milhões de euros de dívida pública. A aquisição de dívida de longo prazo tenderia a pressionar em baixa as taxas de juro de maturidades mais curtas, i.e., dívida com prazos iguais ou inferiores a 8 anos.

A segunda alternativa seria, caso politicamente possível, solicitar ao Eurogrupo autorização para amortizar dívida não transaccionável às instituições europeias (FEEF e MEEF), neste caso, provavelmente a dívida com maturidades mais baixas (emitida com condições menos favoráveis, i.e., taxas de juro mais elevadas).

A tradição ainda é o que era

Esta sugestão, similar a uma das propostas do Grupo de Trabalho da Dívida de Abril de 2017, permitiria 300 a 400 milhões de euros, por ano, em poupanças directas na despesa com juros, para não falar no efeito indirecto nas taxas de juro.

Mas a dívida pública cairá de 121% do PIB em 2018 para 118% do PIB em 2019, como previsto...

Nunca há alternativas…

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