Generalitat descreve acusações e penas até 25 anos de cadeia como “vingança”

Partidos independentistas que ajudaram Pedro Sánchez a chegar ao poder avisam que não aprovarão o Orçamento para 2019. No extremo oposto, PP acusa o Governo socialista de “cumplicidade” com os “golpistas”.

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Puigdemont com Junqueras à esquerda e Forcadell à direita, num protesto contra as detenções de Jordi Sànchez e Jordi Cuixart, presos desde 16 de Outubro de 2017 LUSA/QUIQUE GARCIA
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Cartazes contra as prisões de Junqueras e dos Jordis colados em Barcelona durante um protesto LUSA/Andreu Dalmau
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Um dos vários protestos desta sexta-feira na Catalunha, marcados para assinalar um ano da prisão de Junqueras (ainda antes de ser conhecida a sentença) LUSA/JAUME SELLART

No dia em que cumpriu um ano de prisão preventiva, Oriol Junqueras soube que pode ficar na cadeia por mais 24 anos. Acusado de liderar um plano para “evitar a aplicação da legalidade constitucional”, recorrendo a “todos os meios necessários”, incluindo a violência, "com o objectivo de declarar a independência" da Catalunha, o ex-vice-presidente de Carles Puigdemont é considerado pelo Ministério Público “chefe e principal promotor da rebelião” catalã.

Além de Junqueras, para quem a Procuradoria pede a sentença maior – 25 anos de cadeia e inabilitação –, há mais três acusados vistos como responsáveis máximos do processo que levou à realização de um referendo sobre a independência, a 1 de Outubro de 2017, e à declaração de uma república catalã, no dia 27 do mesmo mês. Para Carme Forcadell, então presidente do Parlamento autonómico, e para os líderes das principais organizações civis do independentismo, Jordi Sànchez (Assembleia Nacional Catalã) e Jordi Cuixart (Òmnium Cultural), são pedidos 17 anos de prisão.

A diferença nas penas explica-se com o facto de Forcadell, Sànchez e Cuixart não poderem ser acusados de desvio de fundos públicos (mais de três milhões de euros supostamente usados no referendo) por nunca terem integrado o governo. Logo a seguir, em termos de penas pedidas, 16 anos, surgem cinco ex-conselheiros (ministros) de Puigdemont, acusados dos mesmos crimes que Junqueras mas não de liderar a alegada conspiração para concretizar a criação da nova república.

Ao todo, a Procuradoria atribuí os delitos de “rebelião”, “desvio de fundos públicos” ou “desobediência” a 18 alegados líderes deste plano. Ausentes estão os sete que abandonaram o país, incluindo Puigdemont. Os que ficaram arriscam penas que vão dos 25 anos de Junqueras a um ano e quatro meses de inabilitação, a pena pedida para o deputado de En Comu-Podem Joan Josep Nuet – membro da Mesa do Parlamento, que pôs a votação as leis inconstitucionais sobre a consulta e a transição para a república, Nuet votou sempre contra os independentistas.

O julgamento no Supremo Tribunal, com início previsto para Janeiro, será o primeiro processo civil da História democrática de Espanha em que alguém é processado pelo crime de “rebelião”. Até agora, isso só tinha acontecido num tribunal militar, quando os dois líderes da tentativa de golpe de Estado de 23 de Fevereiro de 1981 foram acusados e condenados a 30 anos de cadeia, a pena máxima prevista para este delito, parte do conjunto de “crimes contra a Constituição”.

"Cúmplice da repressão"

Os actuais dirigentes catalães falam em “farsa”: o presidente da Generalitat, Quim Torra, acusa o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, de ser “cúmplice da repressão” e diz que o Governo “perdeu uma oportunidade de ouro para abandonar a judicialização e fazer política”, enquanto o presidente do Parlament, Roger Torrent, acusa a Procuradoria de procurar “vingança e não justiça”.

Junqueras, que ainda é líder da ERC (Esquerda Republicana da Catalunha), afirmou que todos se preparam para “uma prisão longa e um julgamento que não será justo”, para além de sublinhar “as diferenças gigantes” entre a realidade e as descrições da acusação.

Sànchez, entretanto eleito deputado na coligação formada por Puigdemont para as eleições de Dezembro de 2017, pediu aos catalães para não caírem nesta “provocação” e disse esperar do independentismo “uma resposta digna e não violenta”. “Há mais ódio e agressividade na acusação da Procuradoria do que em todo o processo” catalão, considera.

Uma boa parte das 127 páginas da acusação do Ministério Público são usadas a justificar a existência de violência (essencial para o crime de “rebelião”). Aos acusados imputam-se uma série de “incidentes graves”, produzidos na manifestação diante do Departamento da Economia, de 19 para 20 de Setembro, e no dia do referendo, quando se verificaram “actos de violência e agressão” e “numerosas situações de tensão, confrontos e violência” contra as forças de segurança do Estado.

O Governo então liderado por Mariano Rajoy (Partido Popular) tinha garantido que a consulta não teria lugar e enviou para a Catalunha um significativo reforço de polícias nacionais e membros da Guarda Civil – para assegurar que se votava, muitos catalães dormiram nas escolas e esconderam nas suas casas urnas e boletins de voto. O dia ficou marcado por violentas cargas policiais que deixaram mais de mil feridos (a esmagadora maioria cidadãos e não polícias). Mesmo assim, votaram mais de dois milhões de pessoas.

"Um gesto" e muitas dúvidas

ERC e PDeCAT (o partido de Puigdemont) tinham pedido ao socialista Pedro Sánchez “um gesto”, em troca do qual poderiam ajudá-lo a aprovar o Orçamento de 2019, tal como votaram a favor da moção de censura que o levou ao poder. Queriam a sua intervenção junto da Advocacia do Estado para que esta abandonasse as acusações mais graves – na prática, isso verificou-se, apesar de o Governo garantir que a acusação dos advogados da Administração foi formulada unicamente com “critérios jurídicos”.

É que em paralelo à acusação do Ministério Público (completamente autónomo) foi conhecida a acusação da Advocacia do Estado (organismo que integra o Ministério da Justiça), que descartou acusar os catalães de rebelião, acusando-os de “sedição” e “desvio de fundos públicos” e pedindo para Junqueras 12 anos de prisão (e 11 ou dez para os restantes ex-conselheiros preso). Torra não vê aqui “qualquer gesto, mas sim um desprezo absoluto pelos democratas encarcerados”.

E é assim que no mesmo dia em que se viu rotulado de “repressor” por parte dos independentistas, Pedro Sánchez foi também acusado de “inacção ou cumplicidade” com "golpistas”. Palavras do actual líder do PP, Pablo Casado, que garante que o seu partido não vai “tolerar que um Governo ponha em risco a estabilidade e a dignidade do Reino de Espanha”. 

Ao contrário do que acontece com a “rebelião”, a “sedição” não implica que os actos realizados tenham produzido violência e consiste num “apelo tumultuoso e público para impedir, pela força ou fora das vias legais, a aplicação de leis”.

Tal como a Advocacia do Estado, são muitos os juristas que duvidam que os principais dirigentes do processo independentista tenham cometido “rebelião” (ou até “sedição”). Um deles, Pascual Sala, presidiu durante quase seis anos ao Supremo Tribunal e durante dois e meio ao Constitucional: “É muito difícil, para não dizer impossível, que exista rebelião, e problemático, para não dizer mais, que exista sedição”, afirmou à emissora catalã RAc1. Na opinião de Sala, pode haver delitos de desordem e desobediência à Constituição, mas “dificilmente se pode admitir um tumulto público e violento como os que caracterizam a rebelião”.

O mesmo consideram já juízes de quatro países europeus – Bélgica, Alemanha, Escócia e Suíça –, recusando extraditar os líderes catalães nos seus territórios pelos crimes de “rebelião” ou “sedição”. E é por isso que Junqueras se vai sentar em tribunal como “chefe da rebelião” e Puigdemont, que chegou à Bélgica a 30 de Novembro de 2017, continua em liberdade.

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