Portugal está na "segunda linha" dos estilhaços do Brexit

Estudo encomendado pela CIP sobre impacte do Brexit coloca Portugal no grupo “intermédio”. Augusto Mateus, o seu autor, lembra que é uma situação em que perdem as duas partes.

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LUSA/ANDY RAIN

Portugal faz parte dos países da União Europeia com um impacte económico “intermédio” ou de “segunda linha” da saída do Reino Unido da União Europeia. Há um grupo de países cujo impacte é muito mais forte, como é o caso extremo da Irlanda mas também a Bélgica, Holanda, Noruega ou Chipre e Malta, duas ilhas que já estiveram sob domínio britânico.

Esta é uma das grandes linhas do estudo que é esta quarta-feira apresentado em Lisboa por Augusto Mateus e Vítor Escária (Ernest &Young/ Augusto Mateus Associados), encomendado pela CIP e que tem o patrocínio do Governo português. O ministro Augusto Santos Silva falará durante a conferência de apresentação. É o primeiro grande estudo sobre o impacte económico do Brexit na economia portuguesa, numa altura em que ainda pairam dúvidas sobre a forma que revestirá a saída de um dos aliados tradicionais de Portugal no quadro europeu e internacional.

Augusto Mateus explicou ao PÚBLICO que partiu do cenário hard, porque o soft ficou praticamente afastado a partir do momento em que o Reino Unido decidiu que não ficaria no Mercado Interno e a União Europeia esclareceu que não haveria “liberdades à la carte” entre as quatro que o definem. Tal como para o conjunto dos países europeus, o impacte será negativo para o Reino Unido. É uma situação em que “perdem sempre as duas partes”, disse o economista. Que adverte para a realidade da economia do Reino Unido, essencialmente de serviços, aos quais não se aplicam as normais barreiras pautais, como acontece com o comércio de bens, tornando a negociação do futuro relacionamento entre as duas partes muito mais complexas.

O estudo considera que esse relacionamento pode levar quatro ou cinco anos a negociar, mais do que o tempo actualmente previsto no acordo de saída. A relação entre Portugal e o Reino Unido é complexa, explica ainda Augusto Mateus, envolvendo várias dimensões, dos serviços às exportações de manufacturas, passando pela questão da imigração ou pelo imobiliário. Há um número muito elevado de portugueses a trabalhar no Reino Unido, incluindo em sectores especializados, como o da saúde. E há também o fluxo contrário, alimentado pela escolha de Portugal por parte de muitos britânicos para viverem depois da reforma. Por sectores e regiões, o estudo indica que a região Norte será a mais afectada no que respeita ao sector das manufacturas. Nos serviços, incluindo o turismo, as regiões mais atingidas são Lisboa, Algarve, Madeira, mas também o Norte.

O estudo inclui igualmente as oportunidades potenciais que Portugal pode aproveitar, nomeadamente na substituição das suas exportações para alguns sectores do mercado que o Reino Unido deixa vago no quadro da União Europeia. “A racionalidade do Brexit é encontrar para o Reino Unido um papel de intermediação no quadro da globalização, valorizando a Commomwealth e os emergentes”, diz Augusto Mateus. Portugal também pode vir a tirar partido das suas relações com os britânicos neste novo quadro. Segundo dados do AICEP, são 3800 as empresas que exportam para o mercado britânico. A balança comercial portuguesa registou um saldo positivo de três mil milhões de euros em 2017 que sobe para 4,7 mil milhões se incluirmos o turismo.

Acordar tarde?

A dramatização das negociações entre o governo britânico e a União Europeia, nos últimos dois meses, fez acordar alguns sectores económicos que, até à data, não davam grande atenção ao assunto, considerando que tudo correria bem, disseram ao PÚBLICO fontes ligadas ao acompanhamento do processo negocial. A ideia generalizada era a de que, “se correr bem para a BMW, corre bem para nós”, partindo do princípio de que a indústria alemã de automóveis, grande exportadora para o mercado britânico, teria a força suficiente para garantir um bom acordo.

A realidade veio a revelar-se bastante diferente. O Ministério dos Negócios Estrangeiros está a desenvolver os seus próprios esforços para explicar às empresas o quadro negocial e as suas prováveis consequências. O embaixador João de Vallera, que lidera a “task-force para o Brexit”, já manteve encontros a nível regional em Leiria, com os empresários do sector agro-industrial, e no Porto com a fileira moda. Estão programados mais dois: um em Coimbra sobre a saúde e outro em Aveiro sobre a indústria automóvel.

Já anteriormente o ministério tinha organizado um encontro com as 20 maiores exportadoras para o mercado britânico. Com um êxito relativo: das 20 convidadas apenas compareceram nove, entre as quais a Autoeuropa. A aproximação da data de saída e os sucessivos estudos, alguns bastante negativos, realizados pelas associações empresariais europeias deverão funcionar como alerta para uma realidade que, haja o que houver, implicará necessariamente perdas para a economia.

Augusto Mateus lembrou ao PÚBLICO os estudos que foram feitos quando do grande alargamento da União Europeia, em 2004, que ninguém levou muito a sério, e que se traduziram num impacte muito duro para a economia portuguesa, nomeadamente na indústria exportadora para os mercados europeus. Portugal acabou por perder metade do seu comércio com a Alemanha, substituído pelos recém-chegados países do Centro e Leste da Europa com desenvolvimento tecnológico semelhante, proximidade maior aos grandes mercados europeus e mão-de-obra na altura mais barata.

FMI: perda de 0,2% do PIB

Um estudo do FMI sobre o impacte do Brexit na economia europeia calculava uma queda de 0,5% do PIB no caso de um “hard Brexit”, estimando para Portugal uma perda de apenas 0,2%. Portugal tem defendido no quadro europeu uma atitude que privilegia a cooperação com o Reino Unido e a necessidade do melhor acordo possível para ambas as partes para evitar qualquer cenário de ruptura. Pesa aqui fortemente a natureza euro-atlântica da inserção internacional do país, que sempre valorizou a presença do Reino Unido no quadro da União Europeia.

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