Michael Moore na pele do homem sensato

Fahrenheit 11/9: nada de novo para quem acompanhe a reflexão sobre a política americana para além das parangonas e dos sensacionalismos.

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Moore, quase paternalista, filmando para um “espectador médio americano” não excessivamente informado
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A política americana tomou rumos tão delirantemente exuberantes que até Michael Moore, durante anos visto como um espalha-brasas “liberal”, pode agora representar uma figura de sensatez. É mesmo essa a posição em que se põe em Fahrenheit 11/9, filme sobre a ascensão de Donald Trump (que, invertendo os números que compunham o título do filme de Moore sobre a ressaca do 11 de Setembro, Fahrenheit 9/11, imediatamente sinaliza as proporções do trauma que representou a chegada de Trump à Casa Branca). Moore encena-se a si mesmo, tomando conta da voz off e por vezes da imagem, como o tipo que, nos meses da campanha eleitoral, levou Trump a sério, não o reduziu a uma piada, considerou suficientemente fortes as suas possibilidades de ganhar a eleição – inclui mesmo imagens, como uma dúbia coroa de glória, de noticiários da Fox News que o citavam a ele, Moore, justificando as hipóteses de Trump ser mesmo eleito.

Resguardado, ou legitimado, nesta posição, que toma conta de todo o segmento inicial (juntamente com uma crítica aos “mainstream media” que fizeram de Trump uma festa e involuntariamente ajudaram ao fortalecimento da sua presença no espaço público), Fahrenheit 11/9 constrói-se como um vol d’oiseau sobre as condições sociais, políticas, institucionais, que conduziram à vitória de Trump. Sem esconder o desprezo pela figura, Moore não a menoriza, nem menoriza, ou diaboliza, a massa de eleitores dos estados rurais (sobretudo) que mais contribuiu para a sua eleição – mas aproveitando a deixa para criticar o vetusto sistema do colégio eleitoral americano, criado há duzentos anos para apaziguar os estados esclavagistas do Sul, que pode ter como consequência (como no eleição Trump/Hillary) que o voto popular seja irrelevante face à vitória nos estados “certos”. O tom do filme é analítico e compreensivo, pleno de documentos e depoimentos, mas também um pouco esparso, por vezes simplista, e no fundo não traz nada de novo a quem acompanhe a reflexão sobre a política americana para além das parangonas e dos sensacionalismos. Mesmo a faceta agit prop de Moore – o seu lado mais questionável e simultaneamente mais divertido – aparece singularmente sisuda: talvez o momento em que ela se revele mais eufórica seja quando monta o som de um discurso de Trump sobre imagens de um comício de Hitler, escudado na ideia de que, se a história não se repete, dá “padrões” que nos permitem interpretar, e até prever, os rumos do presente. É o terço final do filme, uma espécie de aviso e apelo à necessidade de combater Trump em nome da democracia americana. Tudo muito justo, tudo também um pouco redundante – como se Moore continuasse a filmar para um “espectador médio americano”, não excessivamente informado, e à “figura de sensatez” sobrepusesse aqui uma outra figura, quase paternalista.

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