As batalhas perdidas pelo Governo no caso SIRESP

Tribunal de Contas criticou falta de transparência numa negociação entre Estado e operador privado e recusou-lhe visto para investimentos na rede. O Governo não aplicou multas à SIRESP, SA e falhou a entrada na maioria no capital da empresa.

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O ministro da Administração Interna viu o Tribunal de Contas negar-lhe o visto a investimentos no SIRESP com duras críticas às negociações Daniel Rocha

Desde os incêndios de 2017 que o Governo, em especial o primeiro-ministro, escolheram a rede de emergência nacional, SIRESP, como alvo preferencial. António Costa encetou uma guerra pública de palavras contra a Altice, que é ao mesmo tempo accionista da SIRESP, SA e fornecedora do serviço de telecomunicações, mas as mudanças que aconteceram na SIRESP, SA depois disto não foram no sentido que o Governo anunciou. A última mexida foi travada pelo Tribunal de Contas, que recusou o visto ao investimento de 15,6 milhões de euros na rede. Esta recusa não veio sozinha, anexada estavam sérias críticas ao modo como tudo foi negociado entre a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI) e a operadora privada, à época assessorada pelo agora chefe de gabinete do primeiro-ministro, Francisco André.

Batalha 1: Visto negado

Do ponto de vista da qualidade da rede de emergência nacional, foi decidido pelo Governo fazer um investimento, depois de negociações com a operadora, de 15,58 milhões de euros em geradores a gasóleo e em antenas satélite, com o objectivo de aumentar a redundância da rede e assegurar comunicações quando tudo falhasse. Foi concretizado e utilizado este verão, tendo sido “decisivas para o pleno funcionamento da rede SIRESP este ano, designadamente quando as redes convencionais falharam, como sucedeu em Monchique, em Cascais e no furacão Leslie”, afirma o gabinete de Eduardo Cabrita em respostas ao PÚBLICO.

Acontece que para o Estado assumir este investimento precisava do visto do Tribunal de Contas (TdC) e este recusou-o, garantindo o Ministério da Administração Interna (MAI) que a operadora vai recorrer e que não houve nenhum pagamento feito, sendo até agora a operadora a suportar os custos. No acórdão, o TdC dizia ter “sérias dúvidas” sobre a assumpção desta despesa por parte do Estado, entendendo que devia ser a empresa a suportá-la. Mas dizia mais. 

O relator apontava o dedo à forma pouco transparente como foi feita a negociação que deu como resultado o Estado assumir, sem mais, a despesa que deveria, ao abrigo do contrato inicial, ser suportada pela operadora. Escreve o TdC que não há “actas que formalizem e evidenciem a evolução do processo negocial tendo em vista assegurar a transparência do processo e a defesa do interesse público” e que essa “inexistência” impede “verificar se o resultado final da negociação representa uma partilha de riscos e de benefícios” ou se “representa tão só uma adesão do Estado às propostas iniciais apresentadas pelo parceiro privado”. 

Tudo isto aconteceu porque o MAI decidiu fazer uma negociação directa entre a SGMAI e a SIRESP, SA, sem ter sido constituída uma comissão de negociação, que teria de apresentar actas e relatórios sobre o que foi negociado. Assim, termina o TdC, a negociação revela "uma total ausência de transparência num processo que deveria ser claro, objectivo e sindicável”. 

Se a recusa de visto foi o último revés, a história atribulada entre o Estado e a SIRESP, SA começa muito antes.

Batalha 2: SIRESP escapa a multas

Numa entrevista ao Expresso, no ano passado, o primeiro-ministro criticava abertamente a PT/Altice por causa da rede de emergência nacional e abria a possibilidade de a SIRESP, SA ter de “arranjar outra operadora que não a PT para suportar as suas comunicações”. 

Estas declarações do primeiro-ministro ao Expresso, davam cobertura à decisão da então ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, dias antes, de responsabilizar a empresa por incumprimento de contrato, exigindo uma alteração da relação entre o Estado e a operadora, iniciando o processo de aplicação de penalidades contratualmente previstas e ainda abrindo a hipótese de outro tipo de processos, incluindo judiciais, ao pedir para se averiguar “da sua responsabilidade, enquanto operadora, pelo funcionamento do sistema”.

Esta intenção foi a primeira a cair. Não houve processos em tribunal. Na mão, o Governo tinha um parecer jurídico da Linklaters que, não se pronunciando sobre o assunto, defendia que “a operadora não pode invocar as limitações do contrato com a PT para se eximir ao cumprimento das suas obrigações”, concluem os advogados, citando a cláusula 14.1 do contrato entre o SIRESP e a PT. Mas não foi suficiente.

Este mês caiu o processo de aplicação de multas. No meio de uma resposta ao Parlamento, o MAI informava que não tinha aplicado as penalidades ao SIRESP pelas falhas nos incêndios por não ter “evidências” de que não tinha sido cumprido o contrato. Em termos de responsabilização, a operadora acabou por sair impune.

“Não há qualquer relação entre a aplicação de penalidades por incumprimento do contrato SIRESP e a estrutura accionista da operadora SIRESP SA. A operadora está sempre vinculada ao cumprimento do contrato independentemente da respectiva estrutura accionista”, respondeu o MAI a perguntas do PÚBLICO. As duas histórias andam lado a lado. Foi quando Eduardo Cabrita entrou no MAI que o Governo mudou de estratégia e decidiu entrar no capital da empresa. E o fim da aplicação de penalidades aconteceu dois meses depois de ter conseguido 33% da empresa.

O MAI refere ainda que “não desistiu” de aplicar multas, mas sim que não foi possível aplicá-las. Foi feita uma “verificação dos níveis de disponibilidade geral e operacional da rede durante o ano de 2017” e “concluiu-se que a operadora cumpriu os níveis de serviço contratualmente estabelecidos, pelo que não houve lugar à aplicação de penalidades”. Sobre o que isto significa pouco se sabe. Eduardo Cabrita revelou no Parlamento que a rede de emergência tinha falhado durante nove mil horas. O PÚBLICO pede o relatório com as avaliação das falhas à rede desde Janeiro deste ano, não tendo sido facultado pelo MAI, encontrando-se este processo a correr em tribunal.

Batalha 3: Estado falha maioria

À saída do seu primeiro Conselho de Ministros enquanto ministro da Administração, Eduardo Cabrita anunciou que a intenção do Governo era ficar com maioria do capital do SIRESP, de 54%. A operação passava por fazer uma proposta de conversão dos créditos que o Estado tem na Galilei (que detinha 33% da SIRESP); e adquirir as posições da Datacomp (9%) e da Esegur (12%) para assim conseguir transformar a SIRESP, SA numa entidade de maioria de capital público. Se a primeira foi alcançada, tendo agora o Estado 33% da Siresp, nas duas operações de compra à Datacomp e à Esegur foi ultrapassado pela Altice, sendo agora esta empresa a dona da maioria do capital.

De acordo com o MAI, esta foi uma operação que permite, pela primeira vez em 12 anos de contrato, ter mais poder na empresa ao poder nomear “dois membros do conselho de administração, incluindo o presidente, e dois dos três membros da comissão executiva” e, com isso, “controlar e influenciar de forma directa a gestão da empresa, incluindo os investimentos a realizar na rede”.

O anúncio foi feito em Agosto, mas nestes três meses nada mudou na SIRESP, os administradores ainda não foram nomeados e nas informações notariais da empresa ainda nada foi registado, até à última consulta feita pelo PÚBLICO nesta sexta-feira. No site da empresa, até os accionistas permanecem os mesmos.

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