Garrafa de Apothéose Bastardinho atinge os 4500 euros em leilão da José Maria da Fonseca

Foram leiloados vinhos históricos do património da casa de Azeitão, entre os quais 100 garrafas de Moscatel Roxo de Setúbal Superior de 1918. Uma foi arrematada por 900 euros.

O leilão aconteceu na Adega dos Teares Novos na Casa Museu José Maria da Fonseca, em Azeitão
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O leilão aconteceu na Adega dos Teares Novos na Casa Museu José Maria da Fonseca, em Azeitão dr
Os irmãos Domingos e António Soares Franco
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Os irmãos Domingos e António Soares Franco dr
O Moscatel Roxo de 1918 foi engarrafado especialmente para a ocasião, tendo sido feitas apenas 184 garrafas, 100 das quais foram a leilão
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O Moscatel Roxo de 1918 foi engarrafado especialmente para a ocasião, tendo sido feitas apenas 184 garrafas, 100 das quais foram a leilão dr

Se fosse vivo, Fernando Soares Franco faria 100 anos. Para o homenagear, os filhos, António e Domingos Soares Franco, escolheram um vinho guardado há precisamente um século na Adega dos Teares Velhos da José Maria da Fonseca, em Azeitão, e engarrafado agora para a ocasião: o Moscatel Roxo de Setúbal Superior de 1918 foi a estrela do quarto leilão do século XXI realizado na noite de quinta-feira pela histórica casa produtora de vinho.

Numa noite cheia de simbologia, foram a leilão 100 das 184 garrafas numeradas do vinho centenário, porque a José Maria da Fonseca celebra também os seus 184 anos. No final de um jantar na Adega dos Teares Novos da Casa Museu em Azeitão, no meio das grandes barricas de vinho, Sebastião Pinto Ribeiro, do Palácio do Correio Velho, conduziu o leilão de 35 lotes, que incluiu as 100 garrafas do Moscatel Roxo de 1918 e terminou com outro vinho histórico, o Apothéose Bastardinho, arrematado por 4500 euros. No caso do Moscatel Roxo de 1918, o preço médio rondou os 500/600 euros, mas a primeira garrafa atingiu os 900 euros.

“Temos nas nossas caves algumas referências extraordinárias”, contou, antes do início do leilão, o enólogo Domingos Soares Franco. “Consegui encontrar um casco em que aparece o Moscatel Roxo 2018.” Antes, António, o irmão, tinha já sublinhado que “se o Moscatel Roxo ainda existe” deve-se ao pai, Fernando, que insistiu em salvar uma vinha “que nem um hectare tinha” e fê-lo “numa altura em que na região ninguém queria esta casta porque era a primeira a amadurecer e os pássaros comiam as uvas todas”.

Quando o Moscatel Roxo – que é “uma mutação genética natural do Moscatel de Setúbal e uma casta com uma acidez e aromas fora do normal”, nas palavras de Domingos Soares Franco – estava “quase a fechar os olhos”, Fernando defendeu que não se podia deixá-la morrer. “O nosso pai trouxe varas daquela vinha e colocou-as noutras vinhas. Hoje, nós e os nossos fornecedores já temos 25 hectares [de Moscatel Roxo] e na região haverá uns 40 hectares”, afirmou, com orgulho, António.

O penúltimo lote a ser leiloado era composto por uma única garrafa de outro vinho também histórico, o Torna Viagem, que acabou por atingir os 2200 euros no final da licitação. Tratava-se, explicou Domingos Soares Franco, de um lote antigo deste vinho que a empresa “descobriu” por acaso há muitas décadas quando vinhos por vender acabaram por regressar a Portugal nos navios que tinham feito a travessia do Equador e passado por todas as aventuras e desventuras de uma viagem no oceano. “Está provado que melhoram em substância, em cor, em elegância, em tudo”, sublinhou o enólogo.

Por fim, o Apothéose é outra história de resistência. Deste Bastardinho de Azeitão (de acordo com o enólogo, corresponde à casta francesa Trousseau) que se encontrava numa barrica pequena com mais de 80 anos foram feitas apenas 40 garrafas – a primeira das quais foi vendida na noite de quinta-feira, sendo as restantes colocadas à venda ao ritmo de uma por ano. As uvas vieram de vinhas situadas entre a Costa da Caparica e o Lavradio, numa área onde hoje existem apenas prédios.

Domingos não esconde o espanto com o que encontrou neste casco com apenas 20 litros: “Achei extraordinário. Tentei descrevê-lo nas minhas fichas técnicas e não consegui." Colocaram-no numa garrafa de cristal da Vista Alegre com um banho de platina e numa caixa de madeira mandada fazer propositadamente. “Decidimos vender uma garrafa por ano para que daqui a 40 anos ainda se possa beber o Apothéose”, resumiu Domingos Soares Franco.

No final, o leilão, no qual foram à praça no total 126 garrafas (entre as quais, por exemplo, os Moscatéis de Setúbal Superior de 1902, 1904, 1905, 1906, 1907 e 1955, “o melhor ano de todos”, segundo Domingos Soares Franco), rendeu mais de 67 mil euros.

No século XIX e início do século XX era prática comum da José Maria da Fonseca realizar leilões, tradição que foi mais tarde interrompida, tendo sido retomada já no século XXI com um primeiro leilão em 2008, no qual foi lançado o Moscatel Roxo de Setúbal Superior de 1960. Seguiram-se leilões em 2011 e 2014, com o lançamento do Moscatel de Setúbal Superior de 55 e de 1911, respectivamente.

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