Limites europeus à liberdade de expressão

A liberdade de expressão europeia não tem a mesma dimensão da liberdade de expressão made in USA.

A utilização de células estaminais para a investigação científica — em especial, terapêutica — tem levantado polémica em todo o mundo, já que as células estaminais mais “produtivas” se encontram nos embriões humanos. A Igreja Católica, em particular, tem combatido a possibilidade de serem destruídos embriões humanos para as pesquisas científicas e em 2007, na Alemanha, onde decorria um intenso debate público sobre esta matéria, um bispo criticou fortemente um grupo de cientistas da Universidade de Bonn envolvidos em pesquisas científicas com células estaminais. Responderam os cientistas, nomeadamente o professor Oliver Brüstle, repudiando as acusações que lhes eram feitas pelo bispo que se viu, assim, obrigado a emitir um comunicado de imprensa a esclarecer que nunca pretendera estabelecer qualquer ligação entre as experiências feitas com células estaminais e o contexto histórico e ideológico dos crimes cometidos durante o regime nazi, que não devia ser relativizado com tal comparação.

Mas se o bispo não quis comparar as pesquisas científicas com células estaminais com o regime nazi, Klaus Annen, um militante antiaborto, quis fazê-lo expressamente. E divulgou um comunicado em que, entre outras coisas, dizia: “Os professores podem disfarçar da maneira que quiserem. Homicídio qualificado será sempre homicídio qualificado, independentemente do estágio da vida em que o ser humano é destruído”; e depois de referir especificamente o nome do professor Oliver Brüstle, referiu as experiências nazis com judeus e comparou-as com as pesquisas com células estaminais, terminando por afirmar: “Chegou a hora de vencer o espírito de Auschwitz.”

Por ter insultado o professor Brüstle, Klaus Annen foi condenado, por um tribunal de 1.ª instância, a uma multa de 450 euros. O tribunal, embora reconhecendo o interesse público do debate em causa e o direito à liberdade de expressão do activista — que incluía o direito de expressar a sua opinião de que os cientistas estavam a assassinar seres humanos —, entendeu que Annen pretendera transmitir que os cientistas que realizavam pesquisas com células estaminais eram motivados pelos mesmos motivos criminosos, sádicos e desumanos dos responsáveis pelos crimes nazis, como Mengele em Auschwitz, o que era um insulto particularmente grave e inaceitável. Os tribunais de recurso confirmaram a sentença e Klaus Annen queixou-se ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) pela violação da sua liberdade de expressão.

Na queixa, afirmava que o seu comunicado de imprensa tinha contribuído para um debate de grande importância pública e não tinha como objectivo atacar pessoalmente o professor Brüstle, sendo certo que este tinha participado no debate público e actuado como porta-voz não oficial dos cientistas que conduziam a investigação sobre células estaminais na Alemanha, pelo que a referência ao seu nome e as críticas feitas se justificavam plenamente. 

O TEDH, no dia 18, debruçou-se sobre o assunto. Reconheceu que se debatia uma questão de largo interesse público, que o professor Brüstle, ao participar no debate, se tinha sujeitado à crítica e que Annen estava a exprimir uma opinião e não a afirmar factos. Mas lembrou, também, que o impacto que a expressão de uma opinião tem sobre os direitos da personalidade de outra pessoa não pode ser separado do contexto histórico e social em que a declaração é feita. E acrescentou: “A comparação entre a pesquisa actual com células estaminais e as experiências realizados em seres humanos em campos de concentração deve, portanto, ser vista no contexto específico da história alemã.” No entender do TEDH, “os Estados que viveram os horrores nazis podem ser considerados como tendo uma especial responsabilidade moral de se distanciarem das atrocidades em massa perpetradas pelos nazis”.

E, assim, o TEDH, por unanimidade, considerou que a condenação de Klaus Annen não violara o seu direito à liberdade de expressão por se justificar uma particular protecção do direito ao bom-nome e à consideração do professor Oliver Brüstle, face à evocação do “espírito de Auschwitz”.

A liberdade de expressão europeia e, em particular, a alemã, no que toca ao nazismo, não têm, seguramente, a mesma dimensão da liberdade de expressão made in USA.

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