Uma afronta ostensiva à União Europeia

Um dia, mais tarde do que cedo, a batalha do tudo ou nada pela Europa será inevitável.

O choque frontal entre a Comissão Europeia e o governo italiano liderado pela coligação entre o Movimento 5 Estrelas e a Liga aconteceu como uma inevitabilidade. Porque entre Bruxelas e Roma não existe hoje nada do que se possa parecer a um cimento de unidade indispensável a um projecto multinacional como a União Europeia. Subverter as regras do Pacto de Estabilidade com um orçamento que revela um “desvio significativo e sem precedentes [de cerca de 1,5% do PIB]” nas contas acordadas, insistir que Itália não mexerá “nem num euro” na proposta, afirmar que, ao contrário do passado recente, a soberania nacional foi recuperada está na matriz do projecto político dos dois partidos que lideram o Governo. Mas, se isso já se sabia, o que permanece em aberto como incerteza e desconforto é saber como pode reagir a Comissão Europeia a uma afronta assim.

O desafio é imenso e assustador. Se já era de uma gravidade extrema Bruxelas ter de conviver de perto com governos que afrontam direitos matriciais como a liberdade de imprensa ou a independência dos tribunais na Polónia ou na Hungria, ter de negociar um orçamento que viola todas as regras e compromissos do euro com um “gigante” que ainda por cima faz parte da fundação do projecto europeu é ainda mais sensível e mais grave. Se não há dúvidas sobre a razão da Comissão (a Itália sufragou voluntariamente as regras do PEC e está a violá-las aberta e conscientemente), também não há dúvidas que esse dolo não pode ser resolvido com simples medidas punitivas. A eficácia dos discursos populistas está na sua fácil apropriação pelos cidadãos comuns e não tenhamos dúvidas que os italianos hão-de aprovar a pose musculada do seu Governo contra as “ingerências” de Bruxelas.

A Comissão sabe dessa delicadeza e promete abertura. A Itália sabe dessa fragilidade e insiste nas suas razões sem medo das penalizações previstas, que incluem o corte nos fundos estruturais dos quais o país é o principal beneficiário. No final do dia, porém, Bruxelas terá de aplicar as regras do PEC. A menos que lá para Maio as eleições mudem por completo o mapa político do Parlamento Europeu e coloquem as forças da desagregação e os nacionalismos a mandar. Um dia, mais tarde do que cedo, a batalha do tudo ou nada pela Europa será inevitável.

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