Tem automóvel? Pague

O grande alvo da proposta de Orçamento do Estado para 2019 é o sector do automóvel.

As empresas podem não ter tido o orçamento que gostariam, mas o grande alvo da proposta do Governo para 2019 é o automóvel. Começa-se pelo mais evidente, que é o aumento da tributação autónoma de viaturas, que chega a subir 50% no caso dos veículos que custem menos de 25.000 euros (passa de 10% para 15%).

Só aqui, de acordo com os cálculos da Unidade Técnica de Acompanhamento Orçamental (UTAO), o encaixe previsto pelo Estado é de 40 milhões de euros (em sede de IRC e IRS). Depois, prevê-se uma subida do imposto sobre veículos (ISV) nos veículos com maior cilindrada (mais poluentes, portanto). A estes dois aspectos acresce mais um par de medidas, uma por omissão e outra por arrasto estratégico.

A medida por omissão é a manutenção do adicional sobre o ISP aplicado desde 2016, quando o novo governo PS precisava de desencantar receitas para cumprir algumas das promessas eleitorais e Bruxelas, desconfiada, exigia contas de “deve e haver” pouco marteladas.

Acontece que a medida foi apresentada como compensação nas finanças públicas pela baixa receita de IVA ligada ao baixo preço do petróleo, com controlo trimestral, e entrou até em vigor antes do Orçamento do Estado onde estava incluída.

Hoje, o preço do petróleo subiu, tal como o encaixe do IVA com os combustíveis, a monitorização trimestral há muito acabou (de fininho) e o adicional mantém-se, resistindo até a uma iniciativa parlamentar do CDS que colheu apoios mas ficou a marinar em sede de especialidade (até porque era impossível acabar desde logo com este imposto por ser receita inscrita no OE aprovado).

A alterar algo no adicional ao ISP é agora, em sede de discussão da proposta orçamental para o ano que vem. Aqui, na verdade, não se devia mudar nada, excepto a atitude do Governo, que mudou as regras depois de ficar agarrado à receita fiscal.

Diz o executivo que este adicional vale 474 milhões de euros, e que a sua ausência teria de ser compensada com menos despesa (ou novas outras receitas). E ficou uma frase pouco feliz do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, de que o fim do adicional não dava “nenhuma garantia que tal se reflicta numa redução do preço”. Além de alguma desconfiança no funcionamento do sector, isso não é válido para outros casos, como a descida do IVA na restauração?

E quando eu digo que a mudar algo no adicional do ISP é agora, não é porque ache que deva acabar, é porque considero se deve assumir a sua existência com transparência. Quer-se tributar mais quem usa transporte particular, com emissão de gases poluentes? Muito bem. Por mim, subscrevo. Não gosto é de ver o Estado a tirar dinheiro a parte dos seus cidadãos de forma opaca. Clarifique-se e assuma-se o adicional, por exemplo, ligando-o a um objectivo estrutural. É, aliás, precisamente isso que o Governo está a fazer com o Programa de Apoio à Redução Tarifária (PRAT) que entrará em vigor a partir de Abril do ano que vem.

Com incidência em todo o país, o PRAT representa um esforço financeiro de 113 milhões de euros em 2020 (primeiro ano completo), dos quais dez milhões caberão às autarquias (no ano seguinte a parte do Estado desce um pouco e a dos municípios sobe). Deste valor, pelo menos 60% tem de ser para a vertente tarifária, e o resto pode ser usado para melhoria da oferta, como veículos.

Neste caso, o esforço do Estado vem de outro adicional, mais concretamente de parte do adicionamento sobre as emissões de CO2 estabelecido em 2010, conhecido por “taxa do carbono”, consignado ao Fundo Ambiental.

Depois, há o agravamento do imposto do selo no crédito ao consumo. Mesmo num país com mais literacia financeira do que o nosso, a subida do imposto do selo não tira o incentivo a ninguém que queira adquirir um produto com recurso a empréstimo. Esta estratégia do Governo não é didáctica, excepto, admito, na forma de se perceber como ir buscar dinheiro sem grandes resistências: tem o respaldo do pendor negativo que fica à volta do consumo e dos excessos cometidos. No fundo, entra no mesmo campo do tabaco e do álcool. E por que é que isto está ligado aos automóveis? Porque uma boa parte do crédito ao consumo é para compra de veículos.

Sublinhe-se que isto não é um exclusivo do OE para 2019, já que esta década tem assistido ao aumento de impostos e taxas ligados a este sector, e que a tendência – nacional e internacional – mostra que não vai ficar por aqui.

Tem carro a combustão? Habitue-se a pagar. 

Sugerir correcção
Comentar