Estará o Facebook a ganhar a luta contra as notícias falsas?

A rede social partilhou três estudos que mostram que a atenção dada à desinformação está a cair. Mas há mais investigação sobre o tema.

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Sob pressão, o Facebook tem-se esforçado para minimizar a desinformação LUSA/STEPHANIE LECOCQ

O Facebook diz que os seus esforços para combater as notícias falsas estão a resultar, apoiando-se em investigações académicas recentes. Mas outros estudos mostram que a desinformação continua a ser um problema, dentro e fora da rede social.

A empresa chamou na semana passada a atenção para três investigações (duas de universidades norte-americanas e outra do jornal francês Le Monde, todas publicadas nos últimos três meses) que concluem que, depois das alterações feitas na plataforma desde 2016, o volume de notícias falsas diminuiu.

"Como estes estudos mostram, temos investido muito na nossa estratégia para combater a desinformação desde as eleições norte-americanas de 2016", destacou Tessa Lyons, directora de produto do Facebook, numa publicação no site da empresa. 

Um dos trabalhos, uma investigação conjunta da Universidade de Stanford e da Universidade de Nova Iorque, nota que as interacções (como links e likes) com o conteúdo de 570 sites de notícias falsas desceram para metade desde 2016, o ano em que o problema se tornou visível na sequência da eleição de Donald Trump e do referendo do Brexit. “Embora os resultados sugiram que a circulação de notícias falsas no Facebook diminuiu, é importante frisar que a quantidade total de interacções com notícias falsas continua a ser elevada”, ressalvam os autores nas conclusões.

O outro estudo, da Universidade do Michigan, refere que a interacção com o “quociente Iffy” – expressão usada pelos autores para caracterizar conteúdo falso que é amplificado nas no Facebook e no Twitter – também diminuiu na rede social. 

Já o Le Monde analisou a interacção de utilizadores com 630 sites franceses (em que cerca de 100 são conhecidos por distribuir conteúdo “dúbio”) no Facebook, Twitter, Pinterest e Reddit entre Janeiro de 2015 e Setembro de 2018. A maior parte da actividade vinha do Facebook (95% dos 4,4 milhões de interacções analisadas nos últimos quatro anos pelo jornal), mas em todas aquelas plataformas a atenção dada ao conteúdo falso tinha diminuído para metade desde 2015.

No último ano, o Facebook duplicou a sua equipa de verificadores de factos de dez mil trabalhadores para 20 mil, criou um centro de combate às notícias falsas e passou a obrigar pessoas e organizações que financiam políticos a passar por uma verificação de identidade. Na semana passada, a rede social alargou aos utilizadores portugueses um inquérito sobre a confiança nos meios de comunicação, que já está a correr noutros países, e que poderá vir a influenciar as notícias mostradas.

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O Facebook criou um centro de combate às notícias falsas nos EUA para detectar notícias falsas em todo o mundo a tempo das eleições em vários países

Apesar de o Facebook se mostrar orgulhoso dos resultados das medidas, há ainda um longo caminho a percorrer. Outros estudos académicos mostram que as notícias falsas continuam a circular em abundância por várias plataformas. 

O factor WhatsApp

Nenhuma das três investigações citadas pelo Facebook considera o facto de os serviços de mensagens da empresa (o Messenger e o WhatsApp) também serem muito utilizados para difundir informação falsa.

O Whatsapp enfrenta acusações de difundir centenas de notícias falsas no Brasil, e de promover violência e crimes de ódio na Índia. De acordo com o Digital News Report, um relatório anual sobre o sector, 48% dos utilizadores no Brasil lêem notícias através do WhatsApp. Um estudo encomendado este ano pela Universidade de São Paulo e pela Universidade Federal de Minas Gerais analisou cerca de 100 mil imagens partilhadas na aplicação de mensagens no Brasil e concluiu que mais de metade incluía informação enganosa ou completamente falsa. De entre as 50 imagens partilhadas em 347 grupos do WhatsApp, apenas quatro eram verdadeiras.

Já na Índia, várias pessoas foram assassinadas desde o começo do ano devido a informação falsa no WhatsApp. Rumores falsos a alertar sobre grupos de raptores de crianças levaram multidões tomadas pelo medo em aldeias indianas a espancar vários homens até à morte. Muitas das vítimas coincidiam com as descrições dos criminosos. Para tentar resolver o caso, o Facebook comprou espaço publicitário em vários jornais indianos para ensinar os leitores a identificar notícias falsa e criou bolsas de estudo para investigadores interessados em estudar o fenómeno.

Definir notícias falsas

Um estudo de 2017 da Universidade de Stanford (realizado por um dos autores dos estudos que o Facebook partilhou este mês) nota que o tráfego para os sites de notícias fidedignos tendem a vir dos motores de busca e de acessos directos, enquanto o tráfego para sites que partilham informação incorrecta vêm maioritariamente das redes sociais. “Isto sugere que as pessoas que chegam a notícias através do Facebook (ou de outras redes sociais) têm menos probabilidade de receber factos sobre o estado real do mundo que podem ajudar a contestar narrativas ideologicamente alinhadas [com as opiniões desses utilizadores], mas que são falsas”, escrevem os autores.

A realidade é que as notícias falsas continuam a ser um problema: no início de Setembro, um estudo global da analista Ipsos (com base em 19 mil utilizadores da Internet em 27 países) mostrou que 60% dos inquiridos pensavam que as notícias que encontram na Internet são parciais ou injustas, e 48% admitem já ter sido vítimas de notícias falsas. Porém, “notícias falsas” não quer dizer a mesma coisa para todos: 56% dos inquiridos acham que uma notícia falsa é uma peça com factos incorrectos, mas 44% também consideram que “notícias falsas” são sinónimo de histórias extremamente parciais e 36% entendem a designação como uma expressão usada por políticos e jornalistas para desvalorizar informação fiável.

Mesmo com a crescente popularidade de serviços de mensagens como o WhatsApp, de acordo com o relatório global Digital News Report – que detalha informação sobre o consumo de notícias em 37 países – o Facebook continua a ser a plataforma mais usada para aceder a notícias.

Em Portugal, mais de metade (53%) das pessoas inquiridas admite que usa o Facebook para consultar notícias. Cerca 22% acedem a notícias através do YouTube, 19% fazem-no no Facebook Messenger, e 11% utilizam o WhatsApp. Apesar de o país surgir entre os que mais confiam nas notícias (62% acreditam nos meios de comunicação), muitos têm dúvidas sobre notícias que são partilhadas nas redes sociais: apenas 29% confiam na informação que surge nestas plataformas.

A fonte da informação é cada vez menos importante. Outro estudo nos EUA – desta vez elaborado pela Universidade da Califórnia, com base em respostas de 3476 inquiridos – refere que a fonte de informação e o local onde as imagens falsas foram partilhadas são menos importantes do que a opinião prévia de uma pessoa sobre o tema.

Novidades valem mais

Dar demasiada atenção ao tema pode até ser contraproducente. Em Agosto, um pequeno estudo da Universidade de Texas em Austin, publicado na revista académica Mass Communication and Society, alerta que avisos repetitivos de pessoas consideradas parte da elite (por exemplo, políticos, jornalistas e alguns activistas) criam dúvidas sobre a veracidade de histórias fidedignas. O estudo, que se baseia em inquéritos a cerca de 300 norte-americanos, chega a esta conclusão ao notar que os participantes eram menos capazes de confiar em notícias, ou de identificar notícias falsas correctamente, depois de serem expostos a um conjunto de publicações na rede social sobre o tema.

Em alguns casos, a faixa etária também influencia o consumo de informação que não tem bases factuais. Um inquérito feito pelo Pew Research Center a cerca de cinco mil norte-americanos com mais de 18 anos nota que pessoas nas faixas etárias mais jovens (18-49 anos) têm mais facilidade em distinguir opiniões de factos. Apenas 20% das pessoas inquiridas com mais de 50 anos conseguiam distinguir correctamente notícias escritas com base em factos de textos de opinião. Nas faixas etárias mais jovens, a percentagem era de 44%.

Já o MIT, a conhecida universidade de tecnologia dos EUA, seguiu 126 mil histórias partilhadas por três milhões de utilizadores do Twitter. A conclusão é que, independentemente do tema, as notícias falsas circulavam mais rapidamente na rede social do que informação fidedigna. Os resultados eram mais extremados quando o tema era terrorismo, desastres naturais, informação científica ou financeira, lendas urbanas, ou as próprias notícias falsas. A informação fabricada tendia a ser novidade para os leitores, e estes valorizavam mais informação nova.

“Aquilo que é novidade atrai mais a atenção humana, contribui para a tomada de decisões e motiva a partilha de informação, porque as novidades actualizam a nossa compreensão do mundo. Quando a informação é nova, não só é surpreendente, mas é mais valiosa”, justifica a equipa de investigadores. “Compreender como a informação falsa circula é o primeiro passo para a travar.”

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