Amor à ditadura, amor a Bolsonaro. A força do “mito” saiu à rua

Por todo o Brasil, apoiantes do candidato de extrema-direita manifestaram-se a uma semana das eleições. Querem mudança, odeiam o PT e sentem que o capitão reformado será a resposta a todos os problemas do país.

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Domingo foi dia de manifestações por Bolsonaro em todo o Brasil; na imagem, São Paulo Reuters/NACHO DOCE
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Domingo foi dia de manifestações por Bolsonaro em todo o Brasil; na imagem, o Rio de Janeiro Sergio Moraes/Reuters
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Domingo foi dia de manifestações por Bolsonaro em todo o Brasil; na imagem, o Rio de Janeiro Reuters/SERGIO MORAES

Quando se apercebe que está a ser entrevistado por um jornal português, Washington faz logo questão de dizer que é “neto de portugueses de Trás-os-Montes”. Mas o seu caso é especial e está espelhado no nome: Washington da Costa Gomes, descendente do ex-Presidente português Francisco da Costa Gomes. Não esconde o orgulho por tão ilustre parentesco, apesar de nunca ter visitado a aldeia do avô no distrito de Vila Real, tal como não esconde a admiração pela ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985. “O que temos devemos aos militares”, afirma, enquanto assiste em São Paulo à manifestação de apoio ao candidato à presidência Jair Bolsonaro, ele próprio um capitão reformado do Exército e apologista daquele regime.

Washington, de 66 anos, tem boas recordações daqueles tempos: “O povo vivia feliz, só quem estava contra é que tinha problemas.”

Este tipo de raciocínio é popular entre os apoiantes de Bolsonaro que encheram grande parte da Avenida Paulista, no coração da metrópole, numa jornada nacional para demonstrar a força da candidatura de extrema-direita que promete alcançar o Palácio do Planalto no dia 28, quando se realizar a segunda volta das presidenciais. A supressão de direitos e liberdades políticas e civis imposta pelos militares durante duas décadas era justificável por causa de uma “ameaça de instauração de uma ditadura comunista” no Brasil, diz Washington.

Não muito longe dali, Manoel Ramos, de 73 anos, passeia com a mulher pelo Parque Tenente Sequeira Campos, em frente ao Museu de Arte de São Paulo (MASP). Diz nunca ter sido de esquerda e também recorda de forma positiva os tempos de ditadura. “Foi a melhor época que vivi”, diz. A mulher completa: “Existia respeito.”

Sara tem 20 anos e nasceu já no período democrático. Votou pela primeira vez este ano em eleições presidenciais e escolheu Bolsonaro na primeira volta, a 7 de Outubro. É a corrupção que mais a preocupa. “Quero viver num país melhor para mim e para o meu irmão”, diz. Rejeita o rótulo de machista que colam a Bolsonaro – que chegou a dizer que depois de ter tido quatro filhos deu uma “fraquejada” e teve uma filha. “O povo não tem como chamá-lo de corrupto, então chamam essas coisas”, justifica a Sara, que pretende entrar este ano na universidade. Foi através da mãe, Rita, que sempre tinha votado no Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que conheceu o candidato de extrema-direita. “Ao início, achava que ele era maluco”, admite.

Para a administrativa Vivian Rodrigues, de 38 anos, são as propostas económicas de Bolsonaro que mais a cativam. “Ele quer trazer mudanças”, afirma. Conheceu o seu nome na sequência da polémica em 2003 entre Bolsonaro e a deputada do Partido dos Trabalhadores (PT) Maria do Rosário, a quem o candidato de extrema-direita disse que só não a violava porque ela não merecia. “Ele foi o único que foi de frente contra ela”, diz Vivian, que não o considera agressivo. “Ele apenas responde à altura.”

A vaga conservadora nas ruas

No meio do mar de bandeiras nacionais, camisolas da selecção “canarinha”, cartazes, e comes e bebes, Bolsonaro é o denominador comum de quem ali está. A face do candidato está em t-shirts, faixas e até máscaras. É um rosto com vários significados: fim da corrupção, rejeição do PT, segurança, resolução da crise económica.

A meio da avenida está o principal trio eléctrico da candidatura, onde vão discursando as principais figuras do “bolsonarismo” paulista e que representam a onda conservadora que tomou o Congresso: a recém-eleita deputada federal, Carla Zambelli; a recém-eleita deputada estadual Janaína Paschoal, uma advogada que se notabilizou por ter apresentado o pedido de destituição contra Dilma Rousseff; e o senador recém-eleito, Major Olímpio. Encostado à estrutura está o “pixuleco”, um balão gigante de uma caricatura de Lula da Silva vestido de presidiário, que se tornou omnipresente nas manifestações da direita.

A rivalizar com o nome de Bolsonaro, apenas o de Lula, que, mais do que o candidato do PT, Fernando Haddad, continua a ser o grande adversário dos sectores conservadores. A alguns metros, sobe ao trio eléctrico do Movimento Brasil Livre (MBL, a organização que esteve na linha da frente dos protestos de 2013) o advogado que apresentou a acção que travou a candidatura de Lula e é recebido com palmas entusiásticas. Do outro lado, Zambelli diz à multidão: “Está quase, falta um pouquinho, a vitória vai ser acachapante.”

Ninguém duvida da vitória no domingo, dia 28. Ou melhor, ninguém aceita outro resultado que não a eleição de Bolsonaro. “A própria Datafolha, que é comunista, está a dar a vitória a Bolsonaro”, diz Luiz Fernando Balieiro, referindo-se às sondagens que atribuem ao candidato quase 60% das intenções de voto. Este empresário de 58 anos, que está ali acompanhado pelo filho de dez, acredita que as sondagens são manipuladas – “Bolsonaro tem mais de 70% seguramente”. Outro resultado no domingo será “fraude eleitoral”, diz, e, nesse caso, “o povo vai parar o Brasil”.

Luiz é um veterano das manifestações contra o PT. Em 2015, juntou-se a um grupo que arrendou um espaço próximo da Paulista para distribuir material a promover a destituição de Dilma, para ser distribuído durante a famosa corrida de São Silvestre, que ocorre sempre no último dia do ano.

Diz estar cansado de viver numa “ditadura comunista”, que é também uma “ditadura do politicamente correcto”. “Dizem que os brancos têm uma dívida com os negros por causa da escravidão”, afirma, enquanto abana a cabeça. Bolsonaro é o homem certo para acabar com tudo isso e nem a “imprensa comunista” irá travá-lo.

A mais recente ofensiva contra o seu candidato foi a revelação feita pela Folha de São Paulo de que empresários apoiantes de Bolsonaro contrataram empresas especializadas em disparar mensagens pelo WhatsApp. “Os caras roubaram o país e agora a culpa é do WhatsApp. Não precisamos de mentiras para derrotar o PT, basta a verdade”, garante.

Com Bolsonaro irão também acabar as trocas de favores para atribuir ministérios no Governo. Os ministros serão “técnicos”, afirma, e dá o exemplo de Paulo Guedes, o conselheiro económico de Bolsonaro, que foi “ministro das Finanças do Chile e consertou o país”. Tentamos corrigir. Guedes foi professor na Universidade do Chile nos anos 1980, durante o regime de Augusto Pinochet, e é o próprio que nega ter tido qualquer relação com o Governo. “Foi o que eu ouvi”, diz Luiz. “Mas verifique, não queremos aqui uma fake news.”

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